2.08.2011
A chave é Russell Crowe
Não chega para fazer de Three Days Later/ 72 Horas um grande filme misógino (de-facto-não-é-misógino), mas é uma óptima cena de abertura. Dois irmãos, um dos quais o protagonista (John Brennan/ Russell Crowe), jantam com as respectivas esposas que encetam uma discussão sobre a natureza competitiva das mulheres, e de que elas deveriam ou não ter sempre homens como chefes ou subalternos, de modo a conter a rivalidade, sendo irrelevante a situação inversa: tomados os homens por mansos no universo profissional, seja entre eles ou com elas. Este momento é que não é irrelevante, uma vez que a mulher de John é levada pela polícia na manhã seguinte, acusada do homicídio da sua chefe. A condenação recai sobre prisão perpétua e a partir do veredicto o filme de Paul Haggis entra em modo Kramer vs. Kramer, sendo que no caso o abandono da mãe nada tem de voluntário.
Rumando ao principal mérito de Three Days Later/ 72 Horas, importa referir outra cena que decorre do facto de John, desesperado com o cada vez maior desespero da mulher, decidir sequestrá-la da prisão. Pesquisas na Internet levam-no ao encontro do homem que escrevera sobre sucessivas e bem sucedidas fugas da cadeia. Conclusão da conversa é de que não existem estabelecimentos invioláveis, o que é preciso é encontrar a "chave" para de lá nos evadirmos. O mesmo se aplica a esta realização de Paul Haggis (também autor do argumento que refaz um filme francês de 2008), o seu melhor trabalho atrás das câmeras: em minha opinião superior a Crash e superior a No Vale de Elah. Como manter a suspensão da descrença do espectador e fazê-lo torçer pelo herói desta proposta, um homem comum (professor de literatura num liceu), cujo amor pela mulher fará dele um pai ainda mais extremoso e ao mesmo tempo um criminoso disposto a tudo para ter a família de volta? A resposta é apenas esta: Russell Crowe, um actor igualmente convincente quando olha com paixão para a mulher (Lara/ Elizabeth Banks), e quando mais tarde se transforma numa máquina de agir. Crowe é magnífico (ponham os olhos nos olhos dele), e o seu próprio currículo cinematográfico, apesar de irregular, funciona muito em favor de 72 Horas. Poucos actores suportariam a alternância entre o sensível e vulnerável Dustin Hoffman do filme de Robert Benton (o tal! Kramer vs. Kramer), e uma figura com a fibra dos anti-heróis próprios ao cinema de Michael Mann.
72 Horas é também hábil na gestão da informação que passa para o espectador, determinante no nosso entendimento da inocência ou culpabilidade da mulher de John, e demonstra ainda notável virtuosismo na gestão do tempo, que acumulado se comprime até que sintamos a intensidade extrema do suspense, para de forma inesperada se distender (logo após o acidente na autoestrada) e libertar a carga existencialista deste filme de Haggis: como se não bastasse o incondicional voluntarismo do protagonista para que se atinja um final específico e desejado. A ilusão que surge do facto de sermos cúmplices dessa vontade irracional (como no exemplo do Quixote de Cervantes de que Paul fala aos seus alunos), é coisa de mansos e de românticos. Elas mandam na vida real, e a gente vira-se para as artes que sempre são mais eternas.
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