5.26.2010

Passion


















O cinema continua a ser para mim uma questão de inteligência em movimento. Sou antes de tudo sensível à escrita do argumento, depois ao trabalho dos actores e só em terceiro lugar às formas do filme. Raramente este enunciado se inverte; alguns formalistas de excepção pervertem a minha regra.
Olho para o caso de La Belle Noiseuse. Não via este filme desde a sua estreia, há quase duas décadas. O título remete para a tela inacabada que vai originar uma batalha de egos entre dois casais. O jovem par é constituído por Nicolas e Marianne (Emmanuelle Béart). O rapaz pretende impressionar o pintor Frenhofer (Michel Piccoli) e "cede-lhe" a namorada para que pose nua para ele. Marianne aceita primeiro contrariada, mas vai-se envolvendo no processo criativo quanto mais se convence que representa a derradeira esperança para o "génio" voltar a pintar. Frenhofer, pelo seu lado, persegue a paixão (aquilo que terá deixado de existir no seu trabalho), apesar de nada aqui (tal como na vida) ser tão conclusivo.
Um momento em particular pode dar-nos uma ideia da capacidade do filme para nos ludibriar. Após o serão em que Frenhofer primeiro confessa pensar desistir de novo de La Belle Noiseuse, vêmo-lo de volta dos desenhos iniciais de Marianne nua, procurando quem sabe uma pista. A sua mulher Liz (Jane Birkin), o ego mais discreto de todos os quatro, não consegue disfarçar os ciúmes por ter escutado antes da boca de Marianne o desejo de voltar ao trabalho na manhã seguinte. Frenhofer e Liz encaminham-se para o quarto e cada um entra numa divisão diferente. Pensamos então que não dormem juntos (desde quando?); que Marianne cumprirá igualmente a função de procurar reacender a paixão no casal mais velho, para segundos depois vermos o pintor e a mulher beijarem-se com uma terceira cama em fundo.
A suprema inteligência deste filme de Jacques Rivette pode ser a capacidade de representar as relações e os afectos como algo dinâmico e inconclusivo. Egos que se degladiam sem vislumbre de propósito final. Vale o presente e a sua impermanência. Nada mais.
Claro que existe outro elemento que concorre para este jogo da arte. A obra La Belle Noiseuse que outros anseiam mais ver terminada que o próprio Frenhofer, é sintomático de que para o pintor nela se inscreve a sua mortalidade. Não por acaso Liz desenha uma cruz nas costas da tela verdadeira (Frenhoffer pintará um segundo quadro). O que terá visto Liz que apenas Marianne, Frenhofer e a criança filha da governanta também partilharam? O fim da paixão em Frenhofer? Algo que o artista terá representado como irrecuperável? O princípio do fim? A morte, ela própria? Fica para sempre ocultado o segredo da vida.

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