Le Cercle Rouge foi o penúltimo filme de Jean-Pierre Melville e o seu maior sucesso comercial. Quem há data conhecia bem a obra do francês não se terá reconhecido tanto neste título, mas o tempo veio provar quão magnífico ele é. Um filme melancólico e sem esperança onde ninguém é inocente (ouvimos dizer). Filme de homens solitários e silenciosos que vivem em casas vazias. Homens de encontros fortuitos, de pactos de sangue, que parecem entender-se como que por telepatia (ou instinto), e que acabam traídos. Mesmo que o elemento feminino seja muito lateral a Le Cercle Rouge (Melville afirmava não saber escrever para mulheres), acabará sendo ele (ou elas) o móbil da tragédia. Recordemos o prodigioso início. Corey (Alain Delon) sai mais cedo da prisão por bom comportamento e quando recebe os pertences pessoais recupera três fotos daquela que imaginamos ter sido sua namorada no momento da condenação. Na primeira visita que faz, Corey surpreende o antigo patrão que segundos antes víramos sair da cama onde se encontrava essa tal mulher. Corey força-o a dar-lhe dinheiro e a dada altura sente a presença da mulher do outro lado da porta. Ao sair deixa as fotos dela com o ex-patrão. As consequências deste encontro vão ser determinantes para a traição final: simbolizada pela rosa que Corey recebe da empregada do cabaret onde ele pensa ir encontrar um negociante de jóias que foi entretanto substituído pelo comissário Mattei (Bourvil). Le Cercle Rouge mostra a existência humana desprovida de outra motivação que o desempenho do trabalho: há aqueles que nasceram para roubar e os que vivem com o único intuito de capturá-los. E, repito, nem uns nem outros podem reclamar-se inocentes. Jean-Pierre Melville filma o cinzentismo destas vidas com um sentido poético muito pessoal. A planificação traduz o olhar zen do realizador (simultaneamente comprometido com os seus "heróis" e descomprometido com o destino trágico deles), ocupado com a decantação dos gestos, único acesso às almas penadas dos protagonistas. Melville filma não a partir da tela branca, mas de um quadro de silêncios.
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