Não estou seguro de que o disco novo seja tão bom quanto Boxer ou Alligator. Há ali qualquer coisa de titubeante entre a primeira e a quarta faixa (já Sorrow é The National vintage) que faz apelo a que não me precipite no julgamento. A partir de Affraid of Everyone e desta extraordinária Bloodbuzz Ohio ("I still owe money to the money to the money I owe/ The floors are falling out from everybody I know") é a imparável cavalgada que chega a surpreender no requinte dos arranjos; que da vertigem das guitarras e percussão estávamos há muito garantidos. Não sei como alguém pode achar os National chatos...! Têm pose, pois têm: como aliás 99% das bandas rock têm. Eles são é lúcidos e têm também sabido envelhecer com quem os acampanha do início, e sobretudo com aqueles que não podem esconder que estão encerrados na mesma geração. Estamos na merda, podem crer, mas garantiram-me que a partir dos cinquenta tudo melhora. Até lá outro remédio não há que aguentar as abelhas.
5.31.2010
O amor natural
Quantos espectadores terão reparado em Salt de Arto Lindsay que surge por momentos no filme de Luca Guadagnino? É quando Emma Recchi se dirige à lavandaria para levantar um casaco do filho e encontra no CD lá deixado esquecido a foto da apaixonada da irmã de Edoardo, acompanhada da confissão escrita desse amor. E mais tarde quando a senhora Recchi, regressada do idílio carnal com o cozinheiro Antonio, põe a tocar uma faixa do mesmo disco.
Quantos terão relacionado o cabelo apanhado em caracol de Emma Recchi quando esta persegue o cozinheiro pelas ruas de San Remo, com o Vertigo de Hitchcock onde é o homem que persegue uma mulher que traz o cabelo penteado dessa maneira? E ainda me pareceu escutar uma música de David Sylvian por ocasião da festa em que se anunciava o noivado de Edoardo Recchi... Estes detalhes são reveladores do extremo bom-gosto e da capacidade de cruzar múltiplas referências evidenciados por Luca Guadagnino em Io Sono L'Amore. Pena que à medida que o filme se encaminha para o trágico desenlace, o realizador italiano abuse do tempero (a que não é alheia a utilização excessiva das partituras magníficas do norte-americano John Adams).
Guadagnino de algum modo se deslumbra com o seu próprio virtuosismo, na primeira metade do filme bem mais controlado. Apesar do derradeiro e tão misterioso plano, que irrompe pelo genérico final, dando a ver a silhueta dos amantes no que parece ser uma gruta. Eternamente refugiados no espaço do seu amor natural.
Glória, Glória, Aleluia
5.27.2010
Don
«Boredom, in its uncut state, is a force. To know it takes a mind of unassuagable restlessness – which pays that mind no compliment, as it implies neither curiosity nor any particular capacity for insight. Nor can such a mind ever disarm its own boredom by meditating upon nothing.
Instead it perfects its obsession, its meditation upon one thing: in this we also lose the self, but bargain away the whole world too, in exchange for a profound intimacy with the Speyside malts, postage stamps, death, the feet of women.»
Don Paterson, The Blind Eye (a book of late advice).
5.26.2010
O que estava à mão/ stoner e doom de mãos dadas
Ler sobre música é bastante importante, mas não mais importante que o conhecimento directo dos discos (consumição no gozo anunciado). Apanho este álbum dos britânicos Cathedral porque estava mais à mão. Chego até eles através de Probot, o tributo de Dave Grohl aos seus vocalistas do metal favoritos. Lee Dorrian estava entre os eleitos e eu até já o tinha visto em palco com os Napalm Death (+ Bill Laswell) numa altura em que aquilo deve ter-me feito uma confusão danada aos ouvidos. Hoje e com os Cathedral a música é outra. Quando se lê que o stoner rock (Kyuss, Sleep, Monster Magnet etc.) herdou a matriz do doom metal (Black Sabbath, soberanos, à cabeça), um disco como The VIIth Coming (2002) expande horizontes de percepção. Não só a ligação entre géneros fica clara (e vai além da afinação grave das guitarras), como percebemos que essencialmente isto é um domínio de ingleses: pela história da nação, pelo berço da tradição gótica e porque a música teve sempre ali um PESO muito particular.
Passion
O cinema continua a ser para mim uma questão de inteligência em movimento. Sou antes de tudo sensível à escrita do argumento, depois ao trabalho dos actores e só em terceiro lugar às formas do filme. Raramente este enunciado se inverte; alguns formalistas de excepção pervertem a minha regra.
Olho para o caso de La Belle Noiseuse. Não via este filme desde a sua estreia, há quase duas décadas. O título remete para a tela inacabada que vai originar uma batalha de egos entre dois casais. O jovem par é constituído por Nicolas e Marianne (Emmanuelle Béart). O rapaz pretende impressionar o pintor Frenhofer (Michel Piccoli) e "cede-lhe" a namorada para que pose nua para ele. Marianne aceita primeiro contrariada, mas vai-se envolvendo no processo criativo quanto mais se convence que representa a derradeira esperança para o "génio" voltar a pintar. Frenhofer, pelo seu lado, persegue a paixão (aquilo que terá deixado de existir no seu trabalho), apesar de nada aqui (tal como na vida) ser tão conclusivo.
Um momento em particular pode dar-nos uma ideia da capacidade do filme para nos ludibriar. Após o serão em que Frenhofer primeiro confessa pensar desistir de novo de La Belle Noiseuse, vêmo-lo de volta dos desenhos iniciais de Marianne nua, procurando quem sabe uma pista. A sua mulher Liz (Jane Birkin), o ego mais discreto de todos os quatro, não consegue disfarçar os ciúmes por ter escutado antes da boca de Marianne o desejo de voltar ao trabalho na manhã seguinte. Frenhofer e Liz encaminham-se para o quarto e cada um entra numa divisão diferente. Pensamos então que não dormem juntos (desde quando?); que Marianne cumprirá igualmente a função de procurar reacender a paixão no casal mais velho, para segundos depois vermos o pintor e a mulher beijarem-se com uma terceira cama em fundo.
A suprema inteligência deste filme de Jacques Rivette pode ser a capacidade de representar as relações e os afectos como algo dinâmico e inconclusivo. Egos que se degladiam sem vislumbre de propósito final. Vale o presente e a sua impermanência. Nada mais.
Claro que existe outro elemento que concorre para este jogo da arte. A obra La Belle Noiseuse que outros anseiam mais ver terminada que o próprio Frenhofer, é sintomático de que para o pintor nela se inscreve a sua mortalidade. Não por acaso Liz desenha uma cruz nas costas da tela verdadeira (Frenhoffer pintará um segundo quadro). O que terá visto Liz que apenas Marianne, Frenhofer e a criança filha da governanta também partilharam? O fim da paixão em Frenhofer? Algo que o artista terá representado como irrecuperável? O princípio do fim? A morte, ela própria? Fica para sempre ocultado o segredo da vida.
5.25.2010
El Duderino *
5.24.2010
O riso da iguana
The Bad Lieutenant Port of Call - New Orleans é mais do que vagamente inspirado no Bad Lieutenant (1992) de Abel Ferrara, embora o resultado seja a antítese deste. Werner Herzog serve-se da dependência crescente do seu protagonista (um soberbo Nicolas Cage) para levar o filme para terrenos da farsa e da paródia. Há claras alucinações aqui (mortos que dançam e bichos que cantam) e há também vários outros desvios à norma que poderão fazer-se notar melhor em repetidos visionamentos.
No fundo Werner Herzog diverte-se a filmar a amoralidade do universo de polícias, traficantes e poderosos, sem passar a mensagem da expiação das culpas da humanidade que constituía o núcleo da obra de Ferrara. Nada aqui é tão sério ou tão sórdido. O modo como Herzog encaixa no final a despachar todas as peças, garante-lhe a derradeira gargalhada mefistofélica. Já vimos alguém rir assim, com a arrogância dos répteis. Era outro grande filme canalha: chamava-se Wild Things (1998) e foi realizado por John McNaughton.
5.22.2010
Femina
La Frontière de L'Aube (2008)
La Belle Noiseuse (1991)
Só hoje dei conta, e por um acaso de trânsitos na blogosfera, da morte de William Lubtchansky (1937-2010) ocorrida no início deste mês. Devo-lhe as imagens belíssimas de muitos Rivette, vários Garrel e outros tantos Iosseliani. A luz que nunca se extingirá dos corpos que guardo na memória. Obrigado, Sr. Lubtchansky.
L'Enfant (2005)
Parece difícil chegar à derradeira cena de A Criança, dos irmãos Dardenne (Jean-Pierre e Luc), e não pensar no Pickpocket (1959), de Robert Bresson, obra-prima tantas vezes citada. Mas aqui será menos "que caminho tive de fazer para chegar até ti", do que "que caminho tive de fazer para te ter de volta". Poderá discutir-se se Bruno (Jérémie Renier) não acaba sendo a criança do título. Talvez seja isso mesmo. A eterna criança que não terá nunca podido sê-lo (quando Bruno bate à porta de casa da mãe, há ali uma distância , uma cerimónia entre os dois, que indicia uma não-relação). Depois, quando observamos Bruno com a namorada, o comportamento é infantil a roçar a irresponsabilidade. Isso leva a que Bruno venda o filho recém-nascido de ambos. E é aqui que Bruno perde Sonia (Déborah François), que reagirá com uma verdadeira mãe-loba: e para a qual a partir desse instante deixamos de olhar como uma (outra) criança. A tomada de consciência de Bruno dar-se-á mais tarde, quando se responsabiliza pelo furto que conduz a que seja preso. E que conduz de novo Sonia até Bruno. Comovente.
Nota: este DVD saiu ontem com o jornal Público.
5.21.2010
Chuva de estrelas
Da mesma forma que a cruz invertida remete directamente para os Black Sabbath, nenhum pentagrama poderá ser dissociado dos Slayer.
5.20.2010
5.19.2010
A scene at the sea (1991)
Da largura de ombros do protagonista (um rapaz fascinado com o surf), à distância medida entre as orelhas cómicas da namorada (surda-muda tal qual ele), e aos constantes trajectos na direcção do mar com a prancha deitada transportada pelos dois, A Scene at the Sea é um filme totalmente horizontal: situado entre um par de obras-primas do japonês Takeshi Kitano. Tem apontamentos que fazem lembrar o neo-realismo italiano e um entendimento poético da existência humana segundo Fellini, mas tão mais sereno no seu fatalismo.
5.18.2010
Hierarquia
[...] De rivalidade em rivalidade, uma cadeia de traições é posta em marcha por um incidente, uma provocação, e a vaga estende-se, como um tsunami devastador. [...]
Vasco Câmara, de Cannes para o Ípsilon, sobre o que mais interessa. Já agora, espantoso enquadramento (1,2,3,4,5).
O clube que temos...
(...)
Na última semana da época, as águas agitaram-se outra vez, com o Sporting a anunciar que Izmailov faltou a dois treinos sem estar autorizado. O que é que aconteceu?
Tive dois problemas graves de carácter familiar - sobre os quais não vou falar publicamente -, e o clube estava ao corrente de tudo. O que se passou comigo era uma questão de grande respeito. Mais uma vez, senti-me muito mal com tudo aquilo que foi escrito e especulado nos jornais, quando o que estava em causa era uma coisa muito simples. Fui novamente mal compreendido pelas pessoas do Sporting. A confiança nelas não pode ser a mesma.
Nesse lote de "pessoas", também se inclui o director Costinha?
Digo isto pela primeira e última vez na minha vida: durante as três épocas no Sporting tive a grande felicidade de os adeptos terem estado sempre comigo, tal como os colegas de equipa e os treinadores com que trabalhei. Obviamente que, respondendo à questão, também me estou a referir ao sr. Costinha e sobretudo a quem depende dele. O médico [Gomes Pereira], por exemplo, que vai estar sempre do lado dele. Portanto, é sobre eles que falo.
Tinha um excelente relacionamento com o médico, mas a ligação esfriou…
A partir do momento em que o Costinha entrou, a relação alterou-se devido à pressão que o médico ia sofrendo. No jogo com o Atlético, o doutor não cumpriu o que tinha ficado combinado e depois foi à sala de Imprensa dizer que eu só não jogava se não quisesse. Nesse aspecto, não foi solidário comigo, porque ele sabia perfeitamente que eu não estava em condições de jogar.
Se já estava magoado com essas "pessoas", pior ficou com este último caso...
A minha principal preocupação era resolver os problemas da minha família. Tudo que se passou na altura do jogo com o Atlético de Madrid, para mim, já não tem grande significado, encaro isso com normalidade. Honestamente.
Sente-se a mais no Sporting?
Sinto-me muito calmo. Aquilo que posso dizer é que perdi a confiança nessas pessoas. Mas tenho contrato de trabalho e, como sou profissional, vou cumpri-lo.
A ruptura pode estar iminente?
Não sou uma pessoa conflituosa, mas ninguém duvide de que irei fazer sempre tudo o que tiver de fazer para defender e preservar a minha família. Quanto ao resto, nem sequer me passa pela cabeça.
[O Jogo, 18.05.10]
EU ACREDITO NO MARAT.
5.17.2010
Monstro das octanas
Eu até tinha ouvido há tempos o Powertrip (1998) dos mesmos Monster Magnet (impõe-se o regresso), mas nada prepara para o embate com Spine of God, das grandes descobertas musicais que fiz em anos recentes. Se vos dissesse a quantidade de discos que ouvi com edição posterior a este (1992), cujo som remete para o caldo psicadélico inaugural dos Magnet... Um álbum que descreve um universo denso e imenso. Todas as octanas.
Dio, um símbolo
Cheguei tarde a Ronnie James Dio. Cheguei até ele através do documentário Metal: A Headbangers Journey. Dio (1942-2010), meia-dose de homem e doses de sobra de carisma. A voz incrível e uma carreira que aprenderei a respeitar. Agora que Dio parou, o tempo está do meu lado. Cornos, cornos e mais cornos. Maloik!
Carradas de estilo
Le Cercle Rouge foi o penúltimo filme de Jean-Pierre Melville e o seu maior sucesso comercial. Quem há data conhecia bem a obra do francês não se terá reconhecido tanto neste título, mas o tempo veio provar quão magnífico ele é. Um filme melancólico e sem esperança onde ninguém é inocente (ouvimos dizer). Filme de homens solitários e silenciosos que vivem em casas vazias. Homens de encontros fortuitos, de pactos de sangue, que parecem entender-se como que por telepatia (ou instinto), e que acabam traídos. Mesmo que o elemento feminino seja muito lateral a Le Cercle Rouge (Melville afirmava não saber escrever para mulheres), acabará sendo ele (ou elas) o móbil da tragédia. Recordemos o prodigioso início. Corey (Alain Delon) sai mais cedo da prisão por bom comportamento e quando recebe os pertences pessoais recupera três fotos daquela que imaginamos ter sido sua namorada no momento da condenação. Na primeira visita que faz, Corey surpreende o antigo patrão que segundos antes víramos sair da cama onde se encontrava essa tal mulher. Corey força-o a dar-lhe dinheiro e a dada altura sente a presença da mulher do outro lado da porta. Ao sair deixa as fotos dela com o ex-patrão. As consequências deste encontro vão ser determinantes para a traição final: simbolizada pela rosa que Corey recebe da empregada do cabaret onde ele pensa ir encontrar um negociante de jóias que foi entretanto substituído pelo comissário Mattei (Bourvil). Le Cercle Rouge mostra a existência humana desprovida de outra motivação que o desempenho do trabalho: há aqueles que nasceram para roubar e os que vivem com o único intuito de capturá-los. E, repito, nem uns nem outros podem reclamar-se inocentes. Jean-Pierre Melville filma o cinzentismo destas vidas com um sentido poético muito pessoal. A planificação traduz o olhar zen do realizador (simultaneamente comprometido com os seus "heróis" e descomprometido com o destino trágico deles), ocupado com a decantação dos gestos, único acesso às almas penadas dos protagonistas. Melville filma não a partir da tela branca, mas de um quadro de silêncios.
5.14.2010
Canal memória
"Kyuss was a really magical thing — and if you weren't there, well, you weren't. " (Josh Homme)
Já o vocalista John Garcia tem outra opinião (ou pura e simples falta de dinheiro) e partiu para a estrada com um set de temas da sua lendária banda. Mas aquele motor não produzirá o mesmo ruído sem Homme, Nick Oliveri e Brant Bjork. A este nível as coisas não funcionam assim.
Para os camaradas do rock pesado que que me deram a provar "Green Machine" dos Kyuss
“Living Sacrifice” kicks in with a cool little guitar intro before laying in with a chugga-chugga mosh-worthy main riff that practically demands you to move your head accordingly before mellowing out into a trippy interlude and closing with a heavy breakdown riff. (MetalReview.com)
5.13.2010
Punho cerrado
Os álbuns com que os já extintos Pantera abriram a década de 90 continuam a ser os mais populares da banda de Phil Anselmo e "Dimebag" Darrell (R.I.P.). A diferença entre eles, que é afinal significativa, pode traduzir-se por uma questão de atordoamento. Não tem comparação o efeito de apanhar com a mão aberta ou um punho fechado. No primeiro caso, Cowboys from Hell, o efeito dissipa-se mais rapidamente e quase só é sensível na epiderme. Vulgar Display of Power produz algo próximo da catarse. Atinge as entranhas e pode sugerir reacção espasmódica. A velocidade assemelha-se, a diferença está na concentração limite da energia. Experimentem anular o espaço que existe entre os cinco dedos, caso não tenham o disco à mão.
5.12.2010
Ao prazer
Maxim: You popped your cherry when you were 18. How'd it happen?
Lemmy: "On a beach. In the rain. It was miserable, and that sand gets everywhere, you know."
Maxim: And since then you've scored 2,000 women…
Lemmy: "I never said 2,000. I said 1,000. It's probably 1,200 or so now. I've been at it a long time and I was never married, so there hasn't been any time off."
Lemmy Kilmister, o Miguel Graça Moura do metal. Aquele que a gente quer ler.
Começar por aqui
Metal: A Headbanger's Journey (2005) pode considerar-se a tese de mestrado (filmada) que Sam Dunn nunca antes tinha podido concretizar. Dunn guia-nos pela história desta música com rigor e paixão. O documentário está longe das oito horas que o realizador pretendia dedicar ao assunto, mas para um iniciado a informação é tanta que aconselho repetidos visionamentos. Sam Dunn é antropólogo de formação e sempre se vestiu com as cores do metal. É também o entrevistador ideal, uma vez que se preparou para este filme a vida inteira. Haverá quem ache que ele poderia mostrar outras bandas ou conversar com outros especialistas. Pela parte que cabe ao meu sentido crítico (na excitação dos primeiros passos), Metal: A Headbanger's Journey ajudou a reflectir nos motivos que levaram a que me tenha interessado agora por este género musical (e a perceber que nem todo o metal é para mim). Alguém refere que um fã de heavy metal é uma pessoa que conserva o coração de um adolescente de 15 anos. Para uns será essa qualquer coisa que resiste, para outros como eu será confrontarmo-nos com a descoberta de uma natureza que não sabíamos que existia (ou a que timidamente havíamos renunciado). Para começar de novo nada como que começar já aqui.
5.10.2010
Mad men (not so yet)
Esticaram a fisga nos dois primeiros álbuns e a pedrada só foi sentida com Alligator. De qualquer maneira é errado argumentar que a gravação inaugural dos National serve apenas os devotos. Não tendo vindo o que veio depois (depois de Sad Songs for Dirty Lovers chegou Alligator e mais tarde Boxer), eles teriam deixado marca: algures entre o som Lou Reed dentro e fora dos Velvet e as explorações bucólicas dos R.E.M. na I.R.S. Os Silver Jews começaram exactamente assim. Mas faixas como Son ou 29 Years anunciam o veludo abrasivo que os National viriam a dominar com maior consciência. Há discos de aprendizagem que ensinam umas coisas. Aprendizagem implica experimentação e controlo sobre o aperfeiçoamento dos erros. A música dos National conseguiu até hoje (escrevo no total desconhecimento de High Violet) preservar uma réstia de imperfeição: a que podemos chamar honestidade ou dor de crescimento. A obra deles dá a ideia de responder sempre às suas vidas, e há muito que faz parte das nossas. E somos cada vez em maior número, o que pode dar a impressão de que a música pertence-nos cada vez menos. Eu sei que dói. Por isso voltei ao início.
Fogo de artifício
De acordo com a minha experiência de ontem, Dillinger bem que podia ter sido morto pelos foguetes do Benfica. Quando ele vinha a sair do Biograph Theater, perseguido pelos agentes do FBI camuflados na multidão, no momento em que o tiro da arma de Winstead lhe perfura o crânio, logo seguido por um conjunto de outros disparos, fazia-se a festa do título bem audível no Marquês de Pombal. Eu redescobria o filme de Michael Mann que mais próximo está daquele que já não estou seguro de continuar a admirar acima dos outros todos. Falo de Heat - Cidade sob Pressão, cujas linhas de força são idênticas às de Inimigos Públicos. O tom elegíaco no modo como se dá a ver uma ética à prova de fogo das principais figuras masculinas (que são da mesma espécie, como Mann explica ao comentar a derradeira cena deste filme), de ambos os lados da lei, e de como isso vira tragédia quando as obriga a abdicar de tudo o resto em função dos resultados: roubar ou prender. Viver e matar. Só consigo ser verdadeiramente objectivo (mesmo que em parte) quando vejo um filme mais que uma vez. Por isso digo e repito que para mim é mais decisivo o desejo de regressar a certos filmes do que a impressão deixada da primeira vez que os vi. E foguetório à parte, Inimigos Públicos ontem pareceu-me uma obra-prima. Da mesma espécie de Heat mas passando-se nos tempos da grande recessão.
5.07.2010
Musa suprema
You could be trained to give a girl what could possibly be the most technically flawless fucking of her life, but if you don’t know what to whisper in my ear when you’re behind or how to look at me when you’re inside, then it doesn’t really matter.
Ms. Tiah M. Eckhardt-Delaney
[belle laide: beautiful ugly woman : woman who is attractive though not conventionally beautiful.]
Cor de chumbo
Dizem os entendidos que este blogue estará na próxima semana sob a influência do vulcão de São Anselmo. Muita cinza e muito fogo libertar-se-ão da discografia dos Pantera e dos Down (a caminho). Se quiserem ler o resto, terão de passar primeiro por Phil Anselmo. Sejam destemidos, mantendo o respeito.
Outono em Maio
Maio será este ano o melhor dos meses. Se Setembro foi rei em 2009, com a saída dos ainda últimos discos de David Sylvian, Prefab Sprout e Richard Hawley, o ceptro muda agora para o mês que irá fechar com a edição de Bang Goes The Knighthood, dos Divine Comedy, que respondem na verdade unicamente pela identidade do seu fundador, Neil Hannon (nas fotos de promoção dir-se-ia um irmão franzino de Jarvis Cocker, com semelhante predilecção por óculos de massa dura). Maio traz também os novos The National, High Violet; LCD Soundsystem, This Is Happening; Dead Weather, Sea of Cowards; e The Black Keys, Brothers. Cinco vezes "bang!" no mês cinco. E a contar...
5.06.2010
Devida honra
Há uma gralhazinha. O álbum a que Norah Jones empresta a voz chama-se In Your Honor. Um grande disco, ainda por cima duplo, que trouxe comigo para ajudar a passar a tarde. De resto, aprende-se umas coisas sobre este pessoal sempre interessante. Explorem e curtam e tenham muita saúde.
Homem no arame
Nada mais humano que sentir algum desconforto interior ou até mesmo rejeitar um filme como Greenberg, pelo reflexo que dá da nossa própria natureza (confusa, autocentrada, fóbica). Imagem prismática, complexa, trabalhada no arame da linguagem cinematográfica que desfoca as marcas da sua construção, Greenberg toca o universal na incessante esquiva à caricatura. É o filme onde Noah Baumbach atinge o firmamento dos seus mestres: Rohmer e Cassavetes à cabeça. É cinema de corpo inteiro e apenas o ecrã da sala de cinema permite notar as gotículas de ansiedade que se formam na testa de Roger Greenberg.
5.05.2010
Amigo Marcelo
Marcelo Camelo posa no estúdio em SP onde grava o seu segundo disco a solo. Foto: João Britto/Folha Imagem.
"Desde que vim morar em São Paulo, minha turma são eles [do Hurtmold]. E as namoradas deles, e os amigos deles, e os amigos dos amigos deles", diz. "Percebo uma contradição grande entre o tamanho da cidade e o jeito dos meus amigos daqui. São calmos, ficam conversando sem hora. O Vinicius [de Moraes] disse que gostava do Rio porque lá ele tinha muitos amigos filósofos, e que gostava de São Paulo porque aqui tinha muitos amigos amigos. É um pouco isso, mesmo." [Folha Online, 06.04.2010]
5.04.2010
Confiar no instinto
O primeiro disco pode condicionar o estado de espírito no começo do dia. Depois várias outras condicionantes metem-se pelo meio. É preciso escolher bem e também saber interpretar as consequências de quando falhamos a escolha. A música tem de perceber antes como nos sentimos. Inversão de papéis. É isso o instinto.
Subscrever:
Mensagens (Atom)
Arquivo do blogue
-
▼
2010
(499)
-
▼
maio
(48)
- Se queres provar o mel
- O amor natural
- Glória, Glória, Aleluia
- The XX
- Porno music
- Don
- O que estava à mão/ stoner e doom de mãos dadas
- Passion
- Homem ao mar
- Amanda at work
- El Duderino *
- Bartleguy
- Deus
- O riso da iguana
- Rezar na era da técnica
- Nível II
- Femina
- L'Enfant (2005)
- Chuva de estrelas
- Duas imagens para o caminho
- Thanks for listening
- Sem título
- A scene at the sea (1991)
- Hierarquia
- O clube que temos...
- Monstro das octanas
- Dio, um símbolo
- Carradas de estilo
- Canal memória
- "Kyuss was a really magical thing — and if you wer...
- Para os camaradas do rock pesado que que me deram ...
- Cannes... ano 2009
- Punho cerrado
- Ao prazer
- Começar por aqui
- Freedom!
- Mad men (not so yet)
- Fogo de artifício
- Musa suprema
- Cor de chumbo
- Outono em Maio
- Devida honra
- Homem no arame
- Amigo Marcelo
- Alexander Bergström, um mosaico
- Confiar no instinto
- A cor da moda
- Bellucci
-
▼
maio
(48)