11.05.2012

O que não tem que ser tem a mesma força



















Quando se tem o coração acertado pela “kuarismakilândia” é difícil não ser conquistado por qualquer dos títulos do finlandês. Não há filmes de Aki Kaurismäki de que goste mais que os que se passam em Helsínquia ou arredores, pois nada serve tão bem o seu cinema como a fisionomia e a língua dos conterrâneos. Sucede também que o imaginário convocado pela palavra “kaurismakilândia” deu provas várias de poder ser exportado, o que não desvirtua quer em termos poéticos quer plásticos este cinema anacrónico tão particular.
Para se gostar de verdade de Contratei um Assassino/ I Hired a Contract Killer (1990) pode contribuir uma consciência da precariedade de algumas vidas que estranhamente ajuda, por exemplo, a lidar com a presença efémera dos insectos no quotidiano. Irritante apenas na medida em que esquecemos como curto é o seu tempo e que rapidamente acabarão por sumir da nossa volta. Já o homem tem uma relação com a própria existência que se estende por tempo indeterminado, tornando-se em certas alturas qualquer coisa de abstracto: para uns esse tempo parecerá demasiado longo, para outros demasiado curto, e indiferente para terceiros.
Mesmo um exercício de estilo ligeiramente desviado do resto da obra do autor como é Contratei um Assassino, cuja história é a do homem que estabelece um contrato para pôr termo à vida, situação que remete para o contexto do film noir, vai-se encaminhando para o território do melodrama à maneira de Aki Kaurismäki, onde a fragilidade e a solidão das vidas anónimas são investidas de dignidade e resignação, até que se prefigure algo da ordem da esperança que não chega nunca a ser um final feliz, apenas a possibilidade de continuar existindo num outro lugar. Isto para os que continuarão vivos, mesmo que tenham desejado muito a morte. Já os que não têm remédio, como o assassino que descobre ser portador de doença terminal, estão condenados à efemeridade dos insectos, demarcando-se destes pelas decisões tomadas no tempo que resta.
O assassino, que se confessa um homem falhado, é a grande personagem deste filme, uma sombra nas peripécias da vida de Henri Boulanger (Jean-Pierre Léaud), bem mais trágico no seu périplo obstinado porque a morte que lhe está destinada implicou um contrato de que foi parte excluída. Por isso o seu único tiro é tão significativo. Um disparo que dá a vida. Um momento que tinha que acontecer.



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