11.11.2012

Freddie confronta o Mestre



















Mesmo que falando só de mim para comigo teria dificuldade em dar uma resposta convincente à saída do último Paul Thomas Anderson, The Master, apresentado na noite de abertura do Lisbon & Estoril Film Festival. Mais inclinado para ter gostado do filme, sem dúvida, e mais decisivo o facto de dias depois não me ter abandonado. Continuo sob um efeito de estranheza e às voltas com as suas mais profundas ligações. Paul Thomas Anderson continua a levar-se bastante a sério (haverá filme em que não o faça?; talvez apenas no Punch Drunk Love (2002) e em momentos de prazer puramente sensual que fazem o melhor de um dos seus títulos fortes, Boogie Nights (1997). PTA aponta os faróis ao cinema de Stroheim, Welles e Kubrick e é justo que se diga que a luz reflectida não encandeia um objecto como The Master. Um filme que é mais que um filme, uma obra de arte, goste-se ou não se goste: objecto denso, complexo, opaco, que exige concentração demorada porque aquilo que sucedia com Magnolia (1999), sermos conduzidos de queixo caído por um realizador que parecia controlar com virtuosismo a totalidade das nossas reacções, encontra-se no exacto extremo oposto de The Master, para onde somos atirados e onde nos temos de orientar ou então rejeitamos a proposta.
Muito se falou de cientologia a propósito da sua produção e estreia veneziana (de onde saiu com o Leão de Prata para o realizador e o Prémio de Melhor Actor repartido pela dupla de protagonistas), mas nunca tal expressão é escutada ao longo do filme. Há sim a observação distanciada do funcionamento de uma seita mística/ religiosa e do seu líder, Lancaster Dodd (superlativo Philip Seymour Hoffman uma vez mais, muito próximo do Orson Welles actor, nunca se tornando cópia apenas espírito e presença) mas sobretudo a história de "amor" entre dois homens que se reconhecem nos seus ímpetos e fraquezas. Freddie Quell (Joaquin Phoenix prossegue num trabalho de composição feito de imprevisibilidades hoje menos imprevisíveis) junta-se a Lancaster Dodd mais ou menos por acidente após ter regressado da Guerra, que funcionara como uma espécie de suspensão numa vida que necessariamente incorreria em desajustamento e frustração. Quell personifica a natureza selvagem de Dodd, que este tentará domar como alguém que não sabemos o terá feito com ele. O trabalho é de paciente violentação psicológica e condicionamento físico igualmente repetitivo, no interior da família e seguidores próximos de Dodd que ao contrário do chefe não chegarão a adoptar Freddie, olhado sempre pela excentricidade do seu temperamento entre o acólito e o brutamontes. E há depois a história do próprio Freddie Quell, a mãe encerrada num hospício, a rapariga que nunca chega a ser namorada de quem se despede ao ir para a Guerra, objecto de uma redenção que por intermédio dela não virá a acontecer mas que espreita no final de The Master, numa cena de cama bonita entre Freddie e a mulher inglesa que conhecera num bar. Aquele ser reprimido que a seita do Mestre nunca conseguira "consertar" tem ali um primeiro episódio de reconciliação com a vida. Uma mulher comum, sentada sobre ele, que lhe proporciona prazer e alegria.
Quase como se Paul Thomas Anderson virasse o enigma que The Master representa do avesso, resolvendo-o da forma mais universal possível. E é porque o filme nos atinge (a alguns) que o que está para trás se abre em perspectiva e aos poucos revela implicações que pareciam escondidas ou inexistentes. Perguntar-me-ei de novo daqui a uns meses a importância que The Master tem para mim. Desconfio que é um daqueles filmes que só o tempo permitirá chegar a mais justas conclusões.  

Arquivo do blogue