11.08.2012

O albino da família



















Uma obra artística define-se somente de duas maneiras: em relação ao seu tempo de criação ou através do tempo que por ela passa depois. Os cépticos preferem confiar na segunda hipótese, salvaguardando-se de eventuais equívocos. Os cépticos não são chamados para um filme como Le Havre (2011). Há um milagre neste filme, menos importante que o milagre do surgimento de uma obra com estas características em tão desgraçados tempos como os que vivemos. O filme de Aki Kaurismäki pode até apelar a um passado que a humanidade nunca experimentou fora do cinema. O seu tema é o da corrente de solidariedade que torna tudo possível. Mesmo que isto não tenha aplicação na vida real, vale a pena regermo-nos por alguns dos seus valores, ou despertá-los momentaneamente ao nosso olhar e no coração. A estética é no caso de Kaurismäki também uma ética. Um modo de resistir aos tempos actuais: ao individualismo, à competição cega, à falta de esperança. Le Havre define-se para já da única forma possível. São os tempos actuais que lhe conferem o estatuto de obra de excepção. Caso raro. Enorme e bela ilusão. A humanidade resgatada pelo cinema. O “albino” que contagia com o sentido solidário de família (alternativa) o resto.

Arquivo do blogue