11.05.2012

A boémia vai bem quando calha

















Mesmo em se tratando de um registo romanesco à moda de Kaurismäki, A Vida de Boémia/ La Vie de Bohème (1992) é dos seus filmes onde se sente mais a passagem do tempo. Existe o subtexto operático segundo Puccini (existe uma mulher chamada Mimi), e todo o imaginário que associamos com a boémia artística parisiense, embora parodiada por Aki Kaurismäki, autor difícil de caçar num momento em que se leve a sério.
O preto-e-branco da fotografia acentua o carácter de exercício sem que isso tape o mais importante, a relação de amizade dos três protagonistas: o escritor, o músico e o pintor, que pouco têm de canónico fora da menoridade e um certo apagamento que tanto agradam ao realizador finlandês.
Uma ocasião cruzei-me com um conhecido num restaurante bastante bom, que deixei de frequentar. Disse-me que estava ali a gastar o último dinheiro que tinha, destinado a lhe proporcionar aquele prazer. A isto chamo eu de ética boémia: quando há dinheiro gasta-se no que dá prazer aos sentidos, e quando o dinheiro falta sobrevive-se o melhor que se pode. É bonita a ética boémia, apesar de um pouco irresponsável. A Vida de Boémia ilustra-a fielmente sem se querer passar por objecto de prestígio. Cabe ao espectador estabelecer essa identificação, ou não.

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