10.01.2012
Saco de ideias
Não me consigo lembrar de outro filme onde se grite tanto como em Sogni d’Oro/ Sonhos de Ouro (1981). Moretti é quem contribui mais para a gritaria generalizada, como se desse conta de uma espécie de “dor de parto”. Tal como Stardust Memories de Woody Allen, realizado um ano antes, ou 8 ½ (1963) de Federico Fellini, Sonhos de Ouro trata, embora de modo bastante subversivo, ao contrário dos dois outros exemplos, das atribulações do processo criativo e do insconsciente. Há pelo menos três histórias que se conflituam no seu interior, como num “saco de gatos”: a do neurótico realizador Michele Apicella que faz filmes de autor “intelectuais e masturbatórios” (dizem), num período em que o público começa a deslocar-se do cinema para a televisão, onde lhe servem variedades grotescas e badalhocas sob a égide de Sílvio Berlusconi (que Moretti confrontaria mais directamente n’O Caimão). Há também o filme dentro do filme, que Apicella dirige com grande histeria e contrariedade, que dá conta da relação de Freud com a mãe castradora que constantemente o infantiliza. E ainda um terceiro plano narrativo, que anuncia Bianca (que Moretti fará três anos depois), que mostra o amor-louco de um professor de literatura (de novo Moretti) por uma das alunas: interpretada já por Laura Morante. É como se todo o Nanni Moretti por vir estivesse desarrumado e em bruto neste Sonhos de Ouro. O filme surpreende e irrita em iguais medidas, porque parece ter como único propósito a provocação. Mas até na sua bestialidade não deixa nunca de ser bem curioso. Mesmo corajoso.
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