10.08.2012
O impasse do comunista no momento do penálti
No começo de Palombella Rossa (1989), Michele Apicella (alter-ego que não voltou entretanto ao cinema de Nanni Moretti), destacado membro do Partido Comunista italiano, tem um acidente de automóvel que faz com que perca a memória. Pretexto para Moretti ir buscar os fundamentos políticos, sociais e culturais do comunismo, para questionar as possíveis razões do esvaziamento de uma proposta de “transformação da sociedade” que não se soube adequar aos tempos modernos. A grande originalidade de Palombella Rossa – é mesmo dos filmes mais originais das últimas décadas – é trazer o “comício” para (um)a piscina onde se disputa uma partida de pólo aquático.
Palombella Rossa é um objecto intencionalmente confinado em termos de espaço e de tema. Moretti tira grande partido das possibilidades figurativas e metafóricas que se lhe apresentam (mesmo que precise de descolar dos parâmetros realistas para que algo de fantástico aconteça), mas devo reconhecer que, ainda que ocorra algumas vezes a introdução do elemento emocional por via do Doutor Jivago (1965) filmado por David Lean, que está a passar no televisor do café da piscina, e as sucessivas remissões para a infância de Apicella, garoto em permanente estado de conflitualidade, Palombella Rossa me parece dominado por apenas uma ideia. Muito válida por certo, que o filme motivou discussão elevada, sobretudo pelo lado da política feita cinema. Em mim suscita admiração algo distanciada. Política nunca foi o meu forte.
Nota: De saudar com grande entusiasmo a qualidade dos Extras presentes na edição portuguesa, pela Midas, deste filme. Em particular os designados por A Música, conversa com piano por perto sobre as composições musicais de Palombella Rossa, tida por Nicola Piovani com o realizador; ainda À Volta do Filme, um registo em rodagem de autor, logo mais pessoal do que produtos semelhantes que habitualmente constam dos DVD's; e muito em particular O Último Campeonato, curta metragem (15') onde Moretti se filma durante algumas partidas da sua derradeira temporada de jogador de pólo aquático na série B italiana, junto do carismático treinador da equipa que serviu de modelo à personagem de Silvio Orlnado em Palombella Rossa, terminando com a última partida que Moretti disputou (o realizador começou a jogar muito novo, tendo apenas interrompido quando a actividade política o exigiu), em mar aberto, onde Moretti fez dois golos com a sua técnica pessoal da "palombella", vulgo chapéu sobre o guarda-redes.
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