Alguém que tenha atravessado os anos 80 não sentirá dificuldade em situar Cat People (82)na década. No meu caso sinto acrescida uma certa nostalgia. Num dos extras que integram a edição DVD que tenho, Paul Schrader refere-se-lhe como tendo sido a sua derradeira experiência de trabalho com um grande estúdio (a Universal). E põe ênfase nas contribuições do núcleo duro que transitara do anterior American Gigolo (80): Giorgio Moroder (música), John Bailey (direcção de fotografia), e em particular Ferdinando Scarfiotti (direcção artística). A nostalgia que o filme me sugere está intimamente ligada à sua riqueza simbólica, e a um efeito de sedução que só o cinema permite trabalhar de forma tão completa. Cat People é um filme belíssimo, e muito sugestivo. O modo como mistifica o sexo, aliado ao uso expressivo da cor, e à revelação dessa criatura virginal que era para nós Nastassja Kinski, conservam o fascínio original: de uma origem que nos parece hoje tão remota (porque esteticamente vincada), onde a universalidade da recepção das produções americanas convivia com a ousadia dos seus grandes artistas. Um filme como Cat People seria impossível de surgir no contexto presente. Daí que seja tão excitante recordá-lo, actualizando-o na memória.
P.S. Vi também recentemente a penúltima realização de Paul Schrader: The Walker, com Woody Harrelson, Lauren Bacall e Kristin Scott Thomas. A acção passa-se nos dias de hoje, nos meandros políticos de Washington, e dos seus jogos de influência. Recomendo The Walker porque se trata de um filme de autor, e porque os temas que perseguem Paul Schrader, e que Schrader persegue (sobretudo quando filma material que ele próprio escreveu) sempre me interessaram. The Walker assume o estatuto de última variação no anti-herói solitário que existia em Taxi Driver, American Gigolo e Light Sleeper, cada vez mais remetido para a atitude passiva de quem se limita a observar os vícios dos outros, cultivando uma superficialidade que funciona como mecanismo de auto-preservação. Mas tratando-se de um anti-herói de Paul Schrader, e por consequência de alguém que acaba fazendo escolhas morais (que contradizem a aparente superficialidade), o mesmo homem vem a comprometer-se com aquilo para que antes apenas olhava.