12.21.2007

Patinagem artística





















Imaginem o Estádio da Luz lotado para assistir a um Benfica-Porto com todos os adeptos a torcerem por ambas as equipas. A rivalidade castelhana-catalã que existe no campo do desporto (Barça-Real), da política, da história e da cultura some-se quando se trata da reunião em palco dos dois maiores vultos da canção de autor espanhola: o madrileno Joaquín Sabina e o catalão Joan Manuel Serrat. Os CD's+DVD acabados de sair (mas não por cá) dão conta das actuações em Madrid - numa espécie de Pavilhão Atlântico da capital vizinha - que revisitam 40 anos de um cancioneiro cosmopolita que criou raízes tanto do lado das elites como nas grandes massas. O génio incontestado que a sala repleta celebra entoando o refrão de cada uma das 18 canções (41 na Edição Especial que não é ainda a que possuo) à excepção de Fa Vint Anys Que Tinc Vint Anys, a única que Serrat defende na língua paterna. Para tentarmos estabelecer um paralelismo com o que aqui se festeja aplicando-o à nossa realidade (salvaguardando diferentes riquezas entre cancioneiros distintos e a projecção dos mesmos dentro e fora de portas), teríamos de pensar num espectáculo conjunto de Jorge Palma (pelo lado Sabina) e Sérgio Godinho (pelo lado Serrat), mas talvez fosse mais justa a comparação (em termos de escala) pensando no que seria a reunião inédita de Mick Jagger e Paul McCartney com banda constituída por elementos históricos de um e de outro lado: aquilo que estes concertos de Madrid da tournée Dos Pájaros de un Tiro fazem representar por Ricard Miralles e Pancho Varona, principalmente. Existe, em termos puramente musicais, melhor Serrat (aquele sobre o qual estou mais habilitado a me pronunciar, uma vez que tenho todos os seus discos) e melhor Sabina no trabalho de ambos, em separado. Mas o que aqui está em jogo é a festa, a celebração de músicas que deram origem à história de amor que dura ainda entre o povo espanhol e a canção de autor, mas acima de tudo as segundas vidas de Joaquín Sabina e de Joan Manuel Serrat que em anos recentes estiveram, cada qual com o seu problema de saúde, próximos da morte. Estiveram quase a patinar, mas a patinagem é de novo, agora, artística. Estes "pássaros" gozam de boa saúde e, tal como a sua música, recomendam-se e muito. E o prazer que é ver que tão pouco se levam a sério... (como só os maiores o fazem).

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