8.20.2007

Paraíso das mulheres perdidas














Escrevi em Outubro de 2004 que Noite Escura era um filme desinteressante, confuso e atabalhoado. Tenho hoje opinião completamente diferente. Acabei de o rever em casa, no DVD, e considero-o não somente o melhor filme de João Canijo (o seu grande filme, descontando o ainda por estrear Mal Nascida, que desconheço), como também um dos melhores filmes portugueses das últimas décadas. Canijo é o cineasta da perdição feminina, da pequena tragédia lusitana em fundo "pimba". A pequenez do seu (nosso) universo ficcional é filmada em Noite Escura com complexa coreografia pulsional, que cruza movimentos e sobrepõe diálogos e que é tanto mais interessante de observar quanto maior for a nossa capacidade de concentração sobre esses vários elementos. Noite Escura tem acima de tudo a presença feminina mais impressionante de toda a história do cinema português. Refiro-me a Carla, interpretada por Beatriz Batarda, mulher amarga e gasta (apesar do pouco "uso") que tem um calhau no lugar do coração e que não passa afinal de uma jovem rapariga de 24 anos que escolheu a esfregona em vez do alterne, apesar de viver no meio da prostituição todas as horas da sua vida. A Carla de Beatriz Batarda é um animal permanentemente acossado por tudo aquilo de que abdicou para sobreviver: não tendo vendido o corpo, esta rapariga - como todas as outras (e outros) que atravessam o filme de Canijo -, perdeu algures a alma para sempre irrecuperável. Ou não fosse Noite Escura a mais negra das tragédias.

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