5.07.2007
Nurse With Wound no Porto, c’um escafandro! (e etapa complementar “on Broadway”)
“Aterro” em Campanhã à hora prevista, com a imprensa do dia toda lida e largada ao cuidado do passageiro seguinte. O táxi até Serralves fica abaixo do custo do bilhete do concerto. O jantar, pouco depois, muito insatisfatório, fica por menos da despesa do segundo táxi que me levará até Leça. Mas ainda não chegámos lá. Se a economia parecia jogar a meu favor (ao contrário do Nacional madeirense e da Naval figueirense), a música jogaria toda. E pela noite inteira. Ao entrar no Auditório de Serralves o que se via em baixo e no fundo era a mesa longa e corrida, tapada com um pano escuro, cheia de maquinaria diversa, que uma vez distante e “de costas” para mim presumi serem computadores e aparelhos de processamento de efeitos sonoros, junto dos quais, tombados, estavam uma guitarra e um baixo eléctrico. Colin Potter recebeu-nos sozinho no palco, tratando de equalizar um drone (nota sustentada que opera como base harmónica) que funcionaria como cama sonora onde os restantes elementos seriam depositados. Pouco depois entravam Steven Stapleton (o sr. Nurse With Wound), Andrew Liles e Matt Waldron – também artistas, também “experimentalistas sonoros”. A actuação compreendeu dois segmentos de abstracção sónica: o primeiro bem mais prolongado (cerca de uma hora); o segundo, durando apenas cinco distensos minutos, era o encore arrancado a palmas aos Nurse With Wound (NWW). Ambas as peças organizaram-se num crescendo, precedido de diminuendo, que acumularia elementos sonoros de vária ordem, que mais tarde e à vez se extinguiam. Steven Stapleton operava essencialmente com um arco que percutia as cordas da guitarra eléctrica – deixada sempre em repouso. Usava a mão esquerda para tratar electronicamente os sons que retirava desta. O restante elenco detinha-se sobretudo sobre os botões do equipamento que produzia ruídos e sons “naturais”, com a excepção de um dos músicos que pegou no baixo para intensificar o ritmo, de resto de dinâmica baixa e neutra, para regiões entre o funk e a batida metronómica do krautrock. O mesmo elemento surpreenderia a audiência próximo do final da performance ao envergar uma espécie de escafandro nuclear cujo incremento sonoro não estou certo de ter sabido distinguir correctamente. A totalidade da prestação da formação britânica foi acompanhada de projecção video art sequencial, vista em grande ecrã, que mostrava uma mulher asiática que ora colocava ora retirava uma máscara com rosto humano, aos pés da qual se observavam figuras masculinas e femininas nuas, enroladas sobre elas mesmas e umas nas outras, criando uma coreografia não menos abstracta do que a própria música. Havia ainda um efeito visual acrescentado às imagens que dava a impressão de as fazer entrar em combustão continuada. O que se escutou, para mim que conheço a fundo uma parte diminuta da discografia de três décadas dos NWW, fez-me frequentemente lembrar o assombroso Salt Marie Celeste: em terra de pescadores e marinheiros que outra coisa seria de esperar? Foi por isso um programa na fronteira do expectável e do surpreendente, exactamente aquilo que eu contava ver dos NWW. Deu para mergulhar na abstracção dos sons; deu para perder o pé por entre zonas periféricas da consciência; deu para fechar os olhos para as imagens para melhor os abrir para a música. Já após o concerto, o público de não mais de centena e meia de pessoas precipitou-se, quais aves de rapina, para a banca que vendia CD’s e merchandising dos NWW e do catálogo United Dairies. Rapace, então logo eu, não saí de garras vazias. Esperava-me ainda um outro tipo de espectáculo (e aqui tenho de reentrar no segundo táxi), nas imagens e nas canções de STEPHEN “Sweeney Todd”, “Follies”, “Company”, “A Little Night Music”, “Merrily We Roll Along”, “West Side Story” SONDHEIM, sublime Sondheim, que se prolongou até de madrugada, conversa paralela à sondheimiana e à ingestão de aperitivos calóricos, com dois outros convertidos que tinham necessariamente de ser meus grandes amigos.
Nota: a imagem não corresponde ao espectáculo de Serralves mas a uma outra actuação dos Nurse With Wound.
Arquivo do blogue
-
▼
2007
(395)
-
▼
maio
(25)
- Olhando as emoções fetais dos sábados à noite
- Os sensacionais
- Para que conste
- Eastwood goes rock
- Uma história da memória (the disintegration loops)
- Deacon Blues (D. Fagen)
- Zodiac music
- Simetria
- “Até morrer, Sporting allez!”
- 3xHHH (dia segundo)
- Beija-me Cannes
- 3xHHH (dia primeiro)
- Em suspenso
- Só eu sei
- A autodepreciação é arte
- Coisa gostosa
- Sonhar com cangurus
- São Paulo confessions
- Allez allez.... ouch!
- Alguns parágrafos são (ainda) melhores que os outros
- Barbas do eu sozinho (meus neurónios saltitantes)
- Nurse With Wound no Porto, c’um escafandro! (e eta...
- Música de embalar
- Só até ao fim
- Ambas correctas
-
▼
maio
(25)