9.01.2006
O homem invisível
Colateral é um filme espantoso que tem vindo a ser desvalorizado quando comparado com Miami Vive do mesmo Michael Mann. Tratei de revê-lo ontem em DVD e fiquei mais convencido ainda. Há uma simplicidade na sua história tipicamente série B - um homem tem uma noite para matar cinco testemunhas de um julgamento; outro homem limita-se a uma existência condicionada enquanto espera que o seu sonho de vida se concretize - que liga na perfeição com a atmosfera cada vez mais vazia de pessoas visíveis e mais cheia de pontos de luz que é Los Angeles fora de horas. Seguindo o modelo narrativo arquetípico da aventura de um homem normal a quem acontece algo de extraordinário (aqui sob a forma do sociopata Vincent, fabuloso Tom Cruise, que entra no táxi de Max e exige a cumplicidade deste para levar a cabo o conjunto de assassínios para que fora contratado), o filme também só sofre transformação quando o cada vez mais encurralado Max perde o medo de morrer e começa a tomar decisões. As cenas tornam-se hiperbólicas de acção e suspense e a partir desse instante é Max o obstáculo de Vincent e menos o reverso. Colateral tem momentos em que atinge o registo do Exterminador Implacável de James Cameron (na impressionante coreografia de pânico instalado que tem lugar na discoteca Fever), com a figura de Cruise a mostrar-se cada vez mais obstinada, cada vez mais niilista. E há depois a constatação cruel e premonitória do mesmo Cruise/ Vincent quando diz para Max, "um gajo mete-se no Metro em L.A. e morre. Pensas que alguém vai reparar nele?" Colateral é finalmente uma meditação existencialista sobre a desagregação dos laços humanos nas cidades modernas, que Michael Mann filma com requintes de perfeccionismo estético valendo-se, pela primeira vez no seu cinema, das virtualidades do vídeo digital de grande definição. Em termos puramente cinematográficos (da emoção pura), Colateral é fascinante: melhor découpado (no sentido de um rigor e intencionalidade hitchcockianos) do que Miami Vice e com melhores apontamentos de música e imagem. Pelo menos, na minha opinião.
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