12.13.2012

Embalsamados para ninguém ver





















As Harmonias de Werckmeister (2000) dá corpo a uma alegoria política cuja totalidade das implicações ter-me-á escapado. O filme apresenta-nos um cenário remoto, uma pequena cidade, que assiste à chegada de um espectáculo de feira que consiste na apresentação de uma baleia embalsamada, que vemos em três ocasiões, e de alguém identificado como "o príncipe", que não chegamos a ver.
Algumas figuras da terra são-nos dadas a conhecer pelo dia-a-dia de János, moço de recados de espírito puro, que parece ser aquele em quem a presença da baleia suscita maior curiosidade. Há qualquer coisa que os aproxima: ao bicho enorme embalsamado e ao rapaz que com todos mantém um relacionamento cordial. O olhar de ambos confunde-se e mais ainda quando o filme de Béla Tarr está próximo do final. A paralisia do olhar morto da baleia é semelhante à expressão catatónica de János, consequência dos eventos que se irão seguir. E assim, como o rapaz será pela última vez visto no interior do hospital psiquiátrico, a derradeira sequência de As Harmonias de Werckmeister mostra a praça central onde a baleia passou a estar esquecida embora exposta à vista de todos, se lá estivesse alguém para vê-la.
O filme sugere que terá havido um incitamento à rebelião por parte do tal "príncipe", a que se seguirão actos de vandalismo de que ouvimos falar (uns) e a que assistimos também (outros), aproveitados por elementos locais junto com a polícia para instalar um regime repressivo no território. É esta violência que se tornará insustentável para János, figura manipulada no decorrer do processo. Como se os aspectos mais negros da natureza humana tivessem conduzido à demência um indivíduo pacífico e cândido como ele. Anti-herói embalsamado em vida (para ninguém mais ver). 
A lente de Tarr move-se constantemente mas tem a gravidade dos planos fixos. Algo existe que a prende ao solo e que traduz o peso de existir.   


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