12.28.2012

2013 vem já a seguir

2012 Cinema





2012 Música





77






















©  Daniel Rocha


Parabéns, Fernando Lopes.

12.27.2012

Ler nas sombras




















«Muito poucos seres humanos são capazes de aceitar a ideia do «absurdo existencialista», de que estamos «atirados» aqui no mundo por obra de um acaso incompreensível, de um acidente estelar, que as nossas vidas são meras casualidades desprovidas de ordem e de concerto e que tudo o que com elas aconteça ou deixe de acontecer depende exclusivamente da nossa conduta e vontade e da situação social e histórica em que nos encontramos inseridos.»


Antecipando a referência a Camus (via O Mito de Sisifo), Mario Vargas Llosa, nesse livro recente e valioso que é A Civilização do Espectáculo, dá a definição mais sucinta e transparente que li do cinema de Béla Tarr, sem que sequer minimamente se tenha querido a ele referir. Num bom pensamento cabem várias ideias. Quem se apropria do que lê pode acrescentar outros sentidos, originados até por uma radical descontextualização.

Tabu à brasileira




















O negro da pele e o branco dos trapos. Reside aqui o essencial de Barravento (1962), obra inaugural de Glauber Rocha, obra aos contrastes. Caso lhe retirássemos os sons, nada essencial se perderia. O preto-e-branco ajudar o fazer poético, mas não havendo arte não se operam milagres. Os milagres de Barravento são feitos do que ali existe, nos corpos e nos cenários quotidianos dos pescadores da Bahía. O folclore é acessório e nem dá azo a colorir, porque a própria natureza material do filme não o permite.


Keith's gonna do a little T&A




Liricamente é pobre, como se pode ouvir ("little r'n'r, tits and ass", e não sai dali), dá até a sensação de ser uma canção por acabar (faz parte desse disco de "sobras", Tattoo You, que muitos vêem como o último álbum da banda a que vale a pena dar atenção), mas tem aquele estilo puro rock'n'roll em que os Stones eram imbatíveis.

12.26.2012

Trkvsk

A combustão no púlpito




Ao contrário do que o título pode sugerir, O Apóstolo (1997) não é um filme do culto, mas que bom seria que se tivesse tornado um filme de culto. Dirige-se, em particular, aos pecadores, que somos nós todos. Escrito, produzido, realizado e interpretado pelo monumental Robert Duvall. É como se o odor a napalm viesse do púlpito.

12.23.2012

Atétarrepia
































Frank Ocean mostra como se faz um clássico à primeira.

12.21.2012

GY!WE






















Em termos sonoros fomos transportados para o próximo ano, ontem, no Teatro Maria Matos. Seis muito bravos guitarristas e uma secção de metais igualmente concentrada. E depois Ben Frost, maestro dos botões, mudulando a cadência e intensidadde vulcânica da performance. Godspeed You! White Emperor.

De que adianta.







































«Qualquer homem que não tem medo da sua mulher (coisa rara, porque os homens sempre têm medo da mulher que ama) sabe que toda mulher é sempre insatisfeita. Em parte, podemos até reconhecer que durante muito tempo, talvez, os homens não se preocupassem em fazer gozar suas mulheres. A afirmação de que muitas mulheres nunca gozaram se tornou uma máxima típica de sabedoria chinesa: independentemente de fazer ou não sentido, é sempre tomada como sabedoria muito profunda. Mas não me parece que mulheres "livres" ainda possam usar desse argumento, e, no entanto, a insatisfação bovariana continua. Não adianta, minha querida leitora, você nunca vai ficar satisfeita com o que tem. Logo nascerá em você aquele gosto azedo do vazio do que já não é mais novo.»


A tempo de ser o meu livro do ano.

12.20.2012

Todos ao cinema






































© Sam Smith

Sobre sexualidade de forma generalizada


12.19.2012

O Tang de Satanás

"O Tango de Satanás" (disco 3 de 3)




















O derradeiro capítulo propõe-se "encerrar um ciclo" e recupera a personagem do velho doutor obeso que os restantes habitantes da quinta tinham deixado esquecido para trás, atraídos pela promessa de uma vida melhor. Em movimento inverso, o doutor, regressado do hospital carregando o indispensável garrafão de aguardente de novo cheio, estranha a ausência de movimento nos espaços em volta, percorre a planície onde apenas encontra um louco que repica os sinos da igreja anunciando uma invasão turca, e volta a encerrar-se em casa, barricando a janela do quarto até à completa escuridão, dando início a um monólogo que se refere a uma personagem do filme, justamente aquela que primeiro vemos logo após o "prólogo" de O Tango de Satanás. Afinal, o encerrar de um ciclo é apenas a reabertura do mesmo. Como se o pesadelo não acabasse nunca e o filme estivesse pronto a recomeçar no fotograma seguinte.


12.18.2012

Uma questão moral


















«This is a moral question to me. I have to tell you what I see. How I see. I have to show you. And you can judge. If you don't like, you don't agree, you can go out. If I use for these films public money, I use the people's money. Tax money. In this case I have to be perfect. I have to tell them what I think. This is a moral question.»

Da conversa reproduzida abaixo, onde Béla Tarr diz também que os seus filmes são essencialmente sobre a dignidade das pessoas, a continuidade psicológica e a solidão humana. E que chegou à conclusão de que "esta merda" é cósmica. Não apenas social ou ontológica, mas cósmica. Para quem tiver dúvidas há sempre a possibilidade, digo eu, de ver ou rever O Cavalo de Turim, onde o cineasta húngaro foi o mais literal que conseguiu ser a respeito. E não lhe chamem artista.


(imagens de Sátántangó)

Uma ideia do futuro

"O Tango de Satanás" (disco 2 de 3)


















Anjo e demónio.



Dança grotesca.


12.17.2012

Estrela Polar



In plain terms, Johnny was and is the North Star; you could guide your ship by him.
(Bob Dylan)

"O Tango de Satanás" (disco 1 de 3)




















A mesma impressão mas aqui com impacto bem superior. Como se o cinema de Béla Tarr se norteasse pelo princípio moral de fazer o espectador suportar, na medida do possível (impossível), o "esforço" que representa viver, e viver nas condições em que vivem as suas personagens. Um fim do mundo esquecido pelo mundo. Um alçapão.


Do(i)s amores impossíveis





















A RTP2 mostrou na passada noite de sábado (no relógio era já domingo) um filme português de produção recente, um filme muito especial que não teve exibição nas salas por uma questão de pagamento de direitos (de utilização de músicas) que não foi feito pela produtora. Tinha visto Guerra Civil (2010), de Pedro Caldas, numa edição do IndieLisboa, e confirmei as melhores impressões dessa ocasião. A acção decorre no Verão de 1982, na costa alentejana, Odeceixe e arredores, e descreve os amores impossíveis do jovem Rui, a estudar para exames mas que só vemos a escutar música e a desenhar ou em passeios solitários na única companhia de seu hamster branco, e da sua mãe, que enquanto espera a chegada do marido se envolve inconsequentemente com o filho dos vizinhos de toldo.
A um segundo visionamento revelam-se na sua maior pertinência as razões de Pedro Caldas repetir o primeiro terço do filme, primeiro colocando o enfoque em Rui e depois na mãe. São duas solidões que partilham um espaço mas que não comunicam entre si. Existe mesmo um clima de "guerra civil" naquela casa de férias, acentuado com a vinda do pai/marido. Guerra fria de muda quando não feita de palavras e gestos ríspidos. Os amores, com diferentes maturidades, são também vividos com intensidades diferentes. No caso da mãe paira alguma mágoa do passar dos anos, que Pedro Caldas coloca em confronto com a beleza alheia dos lugares do filme, únicas testemunhas dos momentos mais privados das personagens.
No caso de Rui, jovem hiper-romântico impreparado para a ligeireza dos romances próprios da idade, a história conhecerá contornos trágicos (anunciados desde logo pelo cartaz de Ian Curtis pendurado no seu quarto). Diga-se nunca suficientes vezes o quão particular é este filme de Pedro Caldas, magnificamente fotografado por Leonardo Simões. Até que alguém o resgate para que o possamos continuar a ver hoje e sempre.

12.14.2012

Carry on

12.13.2012

Embalsamados para ninguém ver





















As Harmonias de Werckmeister (2000) dá corpo a uma alegoria política cuja totalidade das implicações ter-me-á escapado. O filme apresenta-nos um cenário remoto, uma pequena cidade, que assiste à chegada de um espectáculo de feira que consiste na apresentação de uma baleia embalsamada, que vemos em três ocasiões, e de alguém identificado como "o príncipe", que não chegamos a ver.
Algumas figuras da terra são-nos dadas a conhecer pelo dia-a-dia de János, moço de recados de espírito puro, que parece ser aquele em quem a presença da baleia suscita maior curiosidade. Há qualquer coisa que os aproxima: ao bicho enorme embalsamado e ao rapaz que com todos mantém um relacionamento cordial. O olhar de ambos confunde-se e mais ainda quando o filme de Béla Tarr está próximo do final. A paralisia do olhar morto da baleia é semelhante à expressão catatónica de János, consequência dos eventos que se irão seguir. E assim, como o rapaz será pela última vez visto no interior do hospital psiquiátrico, a derradeira sequência de As Harmonias de Werckmeister mostra a praça central onde a baleia passou a estar esquecida embora exposta à vista de todos, se lá estivesse alguém para vê-la.
O filme sugere que terá havido um incitamento à rebelião por parte do tal "príncipe", a que se seguirão actos de vandalismo de que ouvimos falar (uns) e a que assistimos também (outros), aproveitados por elementos locais junto com a polícia para instalar um regime repressivo no território. É esta violência que se tornará insustentável para János, figura manipulada no decorrer do processo. Como se os aspectos mais negros da natureza humana tivessem conduzido à demência um indivíduo pacífico e cândido como ele. Anti-herói embalsamado em vida (para ninguém mais ver). 
A lente de Tarr move-se constantemente mas tem a gravidade dos planos fixos. Algo existe que a prende ao solo e que traduz o peso de existir.   


12.12.2012

12.11.2012

1908



















Eu vim de longe de muito longe o que eu filmei p'ra'qui chegar.

12.10.2012

Mulher

Emoções frias, frívolas ou adolescentes















É bem possível que Amour/ Amor seja o melhor filme de Michael Haneke desde que passou a contar com capital francês nas suas produções. Merece-me o máximo de consideração que posso ter por um objecto que é trabalho de um artista inteligente, culto na sofisticação dos modos e das formas, mas extremamente calculista nos efeitos que pretende criar com o seu trabalho. Existe muito amor neste filme de Haneke, no sentido do cuidar do outro (o ser amado), mas o investimento gela em momentos significativos que parecem ser, pelo contrário, a razão última de existir do projecto: o cadáver "mumificado" do início descoberto após arrombamento da porta da casa, a música que a imagem sugere ser tocada ao piano e que alguém interrompe desligando o CD (simply clever), e o homicídio que fica por esclarecer se resulta de acto de misericórdia ou demência. Admiro o trabalho de Michael Haneke, e este Amor em particular, mas nunca será cineasta a que adira incondicionalmente. O carácter demonstrativo e cru (quando não cruel) deste cinema privilegia demasiado o brilhantismo da inteligência em prejuízo das emoções de que somos também feitos.















Anna Karenina é um filme vistoso, estruturado em contribuições artísticas de prestígio (o dramaturgo Tom Stoppard, o coreógrafo e bailarino Sidi Larbi Cherkaoui), que tudo trabalha com tal vontade de saciar o olho que é a própria dramaturgia a ser atropelada antes que tal suceda com a heroína de Tolstoy. O realizador Joe Wright não dá tempo a que o drama se instale de maneira que não seja superficial, e o objecto peca igualmente pela falta de actores que imprimam a sua marca no ecrã (beleza e juventude não são sinónimos de carisma e talento, senhor Wright!). Os que aqui busquem cor e movimento saem entretidos. Os que procuram drama e sentimento cedo percebem que o programa saiu furado. Os que prefiram algo do género mas em bom devem seguir para o Senso de Visconti, feito no distante ano de 1954. 














O filme de Tony Kaye, Detachment/ O Substituto é de um romantismo tão adolescente no modo como insiste até final com a litania pela tarefa inglória dos professores e das igualmente trágicas existências de jovens problemáticos, que o seu trabalho parece dirigir-se fundamentalmente a estes últimos, com o intuito de despertá-los para os valores da vida. O resultado é limitadíssimo, a começar na figura crística do professor de substituição interpretado por Adrien Brody que carrega na alma as penas de todo aquele universo, caracterizado, o professor também, por uma humanidade excessiva em que se deixa de acreditar (Brody/ Henry Barthes comenta igualmente para nós fora da acção do filme). Detachment propõe-se provocar, agitar consciências, e chega a ser confrangedor na sua autocomplacência, de tal modo é ingénuo nas formas como o faz: visual e narrativa. Para ver em muito melhor é favor dirigirem-se a Half Nelson/ Encurralados (2006), de Ryan Fleck.

12.07.2012

Ajuste perfeito

Gente cuja opinião tenho em respeitosa conta levou-me a tentativas de aproximação e apreciação do cancioneiro de Elvis Costello, popularizado em tantos casos menos por ele que por outros. Vários discos comprados e depois esquecidos, chego à introdução perfeita, por onde devia ter sempre começado. Nada garante que vá em seguida explorar cada um dos álbuns (mesmo um ou outro que seja) deste período, os primeiros dez anos de discos de Costello reunidos pelo próprio num conjunto de 22 canções que termina com a monumental I Want You. Encontrei aqui um ajuste perfeito. Elvis Costello é a pessoa certa para fazer perceber a relevância de Elvis Costello.

12.05.2012

Batman

12.04.2012

Pós-jazz






























Motion é um título feliz porque diz tudo o que esta música é sem acrescentar a palavra que viria depois ("pictures"), no que passava a traduzir o que a mesma música desejaria poder ser. O pianista e compositor encontrava-se cada vez mais mergulhado nas suas imagens (fotográficas até então) e em filmes imaginários. Um músico de jazz que parecia querer comunicar que no seu íntimo existia a vontade, no mínimo a vontade, de se tornar realizador. Motion deixa-nos com a sugestão dos filmes que ele poderia fazer. É ainda música, é ainda jazz, mas é também já o projecto utópico de pretender exercer uma arte com os instrumentos de outra, antes de possivelmente para esta se mudar. Ninguém saberá o que Bernardo Sassetti poderia "filmar" a seguir. Deixou Motion e um conjunto de interrogações e possibilidades por cumprir.

12.03.2012

DIY ou seja desenrasca-te yourself































Quando o produto vai directo de quem faz para quem consome, com o mínimo de intermediários, é possível os discos terem o preço justo em tempos de crise. Um preço a que muitos podem ainda chegar. Os músicos, cada vez mais, ganham e só quando têm concertos pagos. Amamos Duvall repete, na loja, os dígitos do último Minta & the Brook Trout (outro disco nacional porreiro, mas cantado em estrangeiro, que até autoriza que o tenhamos de borla), mas com o dobro da música. É um híbrido estético que mistura guitarradas Évi anos 80 coladas artesanalmente a samplagens de origem diversa, junto com uma série de "iôs" distribuídos meio com convicção meio a brincar, uma proposta de Run-D.M.C encontra Beastie Boys munida de invulgar espírito de família e boa disposição, que não agradará apenas aos que gostam de tudo muito rotulado com produção polida a condizer. Ainda a tempo de celebrar a quadra que espreita, em modo Panque-Roque.

Nota: era bom haver um sítio para a malta sacar as letras do Tiago "Guillul" Cavaco nestes discos. Fica a sugestão.

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