1.31.2011
Todos por Liedson
Na próxima sexta-feira, pelas 20h15, em jogo caseiro frente à Naval, Liedson vestirá pela última vez a camisola do Sporting. A cedência definitiva dos direitos desportivos do jogador ao Corinthians de S. Paulo foi comunicada. Que me perdoem outros craques de que me possa estar a esquecer no momento, mas acho que Liedson foi o melhor jogador que vi jogar pelo meu clube. Actualmente, e apesar de um ligeiro abaixamento de forma (ou de motivação), era ainda o único fora de série do plantel. Poucos títulos conquistou para tantos golos que fez pelo Sporting. A promessa de triunfo no campeonato português foi consecutivamente adiada, e este ano vai pelo mesmo caminho. Muito também por isso – por personificar a ilusão de que poderíamos "ser felizes" – é chegado o momento de lhe agradecer, pelo que encher Alvalade no próximo jogo é nossa imediata obrigação. Todos por Liedson.
O filme mais triste num ano
Another Year, de Mike Leigh, não é na aparência o filme mais triste do ano, e tem até por seu elemento catalizador um casal que vive uma existência de grande harmonia e complementariedade. O pior é que em torno deste centro de ordem é o caos que manda. O filme de Leigh funciona por desencantado contraste e uma vez mais a sua câmera de filmar amplia realidades da existência humana. O método de Mike Leigh, sob uma capa de naturalismo, retrata figuras estilizadas, mais ou menos excêntricas (já o foram mais nos filmes iniciais do inglês), que carregam males da alma. Atente-se na participação fugaz da primeira personagem de Another Year. Interpretada por Imelda Staunton (protagonista de Vera Drake do mesmo realizador), dá-nos a conhecer uma mulher deprimida que se dirige aos serviços sociais para que lhe dêem um medicamento para dormir. Isto é uma mulher que precisa de ajuda mas que se recusa enfrentar as causas do que a afecta. Ela padece do mais terrível dos males que é a solidão. É o primeiro elemento de uma galeria de seres solitários que preenche cada uma das quatro estações que estruturam Another Year: que abre na Primavera e termina no Inverno desse ano. Cercando o centro caloroso ocupado pelo casal Tom e Gerri, há toda uma constelação de gente à deriva, frágil e em perda, que não sabe lidar com o problema central nas suas vidas, a começar pelo facto de este nunca chegar a ser verbalizado (e sabemos como o cinema de Mike Leigh se caracteriza pela natureza dos diálogos). Another Year devolve-nos também um reflexo angustiante do envelhecimento, de novo matizado pela bonomia do casal protagonista: uma assistente social e um geólogo que marcam o regresso dos habituais e óptimos Jim Broadbent e Ruth Sheen. Tudo neste filme é meticulosamente calibrado, virtuosismo que nos melhores momentos parece apagar as marcas do trabalho do cinema. O coração de Leigh retoma as razões de sempre e sempre pertinentes. O filme suga-nos para o seu interior e faz-nos percorrê-lo como se habitássemos um limbo. O retrato de Mary (soberba Lesley Manville), visita assídua até à inconveniência da casa de Tom e Gerri, concentra o maior índice de empatia de Mike Leigh, o que não impede que seja dela o derradeiro plano do filme, e um plano que não está lá para a salvar.
1.28.2011
Fóssil
Eles têm o som. Isso é primordial. Têm a elevada capacidade técnica exigida pela música que praticam: metal progressivo melódico. Em termos líricos, mantêm-se dentro da gramática do gótico, criando narrativas épicas a partir dos desgostos irremediáveis da existência de qualquer ser romântico: és um romântico, estás basicamente fodido, mas se tens de viver com essa condenação entrega-te à queda sumptuosa no abismo. Deixa atrás de ti um rasto de fogo, que ao ser olhado por uns antecipará aquilo que outros vêem já. A tua imagem fossilizada num bloco de gelo. O disco de estreia dos Painted Black saiu no ano passado, e se não fosse notável eu não teria dado pela sua existência. Há também um videoclip que diz bem do bom gosto da banda, mesmo quando se apropria de material alheio.
Copy/Paste (do Público)
O Torneio das Seis Nações começa a disputar-se no fim-de-semana de 4 e 5 de Fevereiro e os capitães das equipas já se preparam para a competição. Matthew Rees (Gales), Alastair Kellock (Escócia), Thierry Dusautoir (França), Lewis Moody (Inglaterra), Brian O’Driscoll (Irlanda) e Leonardo Ghiraldini (Itália) encabeçam as respectivas selecções. [Foto: Eddie Keogh/Reuters]
Torneio das Seis Nações na Sport TV. Torço pelos Verdes.
1.27.2011
Comandante da Legião de Honra
Eastwood era bem mais universal quando não pretendia ser tão ecuménico. Nos dois últimos filmes foi de África ao Pacífico, e do Pacífico à Europa (Londres e Paris). Em Hereafter faz-se representar por Matt Damon (bom actor mas fraco alter ego, excepto talvez nos resultados de bilheteira) para agradecer amorosamente a condecoração do governo francês. O fascínio dos americanos cultos pela Europa viu crescer a barba de muitas gerações, e Clint Eastwood foi apenas mais um a sucumbir ao charme da velha senhora – que, diga-se a bem da verdade, lhe reconheceu méritos de autoria e filiação na nobre história do cinema, que depois viriam a influenciar a avaliação da sua obra no país de origem. Cumprida a deferência, é fazer figas para ver deus Clint todo poderoso de volta ao seu território de tradição. A moral de Eastwood é o factor humano que realmente interessa. O resto são medalhas.
1.26.2011
A árvore da vida
Quando esta manhã passei em frente da igreja de Sta. Isabel, um grupo de homens tratava de cortar uma das grandes árvores despidas do outro lado da rua, enquanto podava as restantes em volta. À porta da igreja um carro funerário aguardava pela chegada do caixão, para rumar sabemos para onde. A coincidência destas acções lembrou-me a quantidade de cinema que acontece quando as câmeras estão ausentes. A quantidade de cinema que é feita de encontros e despedidas.
1.25.2011
1.24.2011
Camané
Foto do último espectáculo de Camané no CCB (autor anónimo).
Camané regressa em breve a uma sala de Lisboa onde não precisa de se colocar em bicos de pés. Quatro noites no S. Luiz, de quinta a domingo, de 3 a 6 de Fevereiro, para apresentar Do Amor e dos Dias, disco extraordinário. Gosto mais assim, não é da natureza do fado conseguir fazer sentir que cantam (só) para nós em salas demasiado grandes e cheias de gente. Nunca vi ninguém que consiga, no fado, repito, inverter a regra. Por isso escolho os meus encontros com Camané com máximo cuidado. É o que fazemos com aquilo que realmente estimamos. De pés bem assentes no chão.
ISIS primeiro capítulo
Onde se comprova que o desapego de uns pode resultar na bem aventurança de outros. Adquiri recentemente e por troca de materiais equivalentes a discografia completa dos ISIS, banda norte-americana que encerrou a actividade o ano passado, não sem antes e ao longo de uma década ter influenciado praticamente tudo o que gosto no metal: sludge, doom, progressivo, drone, riifs graves e robustos. Quando nos chega, tudo, de uma só enxurrada, podemos bloquear, no que é pura perda de tempo. Assim, peguei no primeiro CD de longa duração que é o que tenho estado a ouvir. A duração longa, sem mais, é algo que os ISIS exploraram desde o início; o exemplo abaixo, Gentle Time, penúltima faixa de Celestial (2000), apesar da deficiente qualidade sonora (no disco é outra coisa) serve de indicador da massa sonora que os ISIS são capazes de movimentar, a que se acrescenta maior densidade com a repetição.
M. para sempre
Impossível não receber La Femme d'à Coté (1981) a não ser como um aviso. Truffaut parece dizer "tenham medo, tenham muito medo, das histórias de amor com princípio, meio, mas sem um fim". François Truffaut di-lo com palavras, usa arquétipos trágicos como a senhora Jouve que sobrevivera a tentativa de suicídio (por amor), tendo-se atirado de um sétimo andar. Di-lo também e sobretudo com imagens, e para que tal aconteça a intensidade das presenças de Gérard Depardieu (Bernard) e Fanny Ardant (Mathilde) é determinante. Ao contrário das histórias de amor que se deseja que fiquem resolvidas, às narrativas dos filmes nada obriga a que se lhes ponha um ponto final. As melhores, aliás, encontram formas de reverberar e de se perpetuarem dentro de nós. São aquelas que, justamente, metem mais medo.
1.21.2011
Êxtases nórdicos
Duas imagens de filmes de Carl Theodor Dreyer (A Paixão de Joana d'Arc e A Palavra), e um dos espantosos retratos de Luís Mileu para a entrevista com Pedro Mexia na edição #5 da Alice.
1.20.2011
Relação entre iguais
Denys - Did you know that in all of literature... there's no poem celebrating the foot. There's lips, eyes, hands, face... hair, breasts... legs, arms, even the knees. But not one verse for the poor foot. Why do you think that is?
Karen - Priorities, I suppose.
Denys - Did you think you would make one?
Karen - Problem is there's nothing to rhyme it with.
Denys - Put.
Karen - It's not a noun.
Denys - Doesn't matter.
Karen - Along he came and he did put... upon my farm his clumsy foot.
É a grande utopia do cinema de Sydney Pollack que eu adoro. Disfarçado de fantasia romântica masculina perpassa o desejo do homem e da mulher se encontrarem e estabelecerem uma relação entre iguais (foto da rodagem de Out of Africa por Douglas Kirkland, 1985; argumento de Kurt Luedtke que adaptou Karen Blixen).
1.19.2011
1.18.2011
Dar que pensar é uma virtude
Pro-choice 17.12.2010
O celibato é «involuntário». Quase toda a gente prefere alguém a ninguém. Mas também é «voluntário». Quase toda a gente teria alguém se quisesse. Um celibatário vive de acordo com aquilo que escolhe, mas não com aquilo que deseja.
O diabo nos detalhes 15.01.2011
Quando se trata de fazer escolhas, o diabo está nos detalhes. Quem esteja atento aos detalhes evita todas as escolhas, ou delas se arrepende rapidamente. Os detalhes, para quem esteja atento, são a maldição da escolha, pois inquinam toda a perfeição, inquinam a grande ilusão da escolha que é escolher o que é perfeito. Por causa do detalhe fica-se sozinho, e acompanhado, naturalmente, pelo diabo.
O mito masculino 18.01.2011
Nos meios da burguesia média-alta, muitas mulheres pensam «como homens», ou antes, pensam de acordo com os padrões actuais da «masculinidade». Claro que o masculino não se esgota numas quantas características epocais de «masculinidade»; mas é inegável que algumas dessas facetas se tornaram culturalmente hegemónicas. E é nesse contexto que muitas mulheres mostram uma surpreendente empatia com a ideia de «masculinidade», ao mesmo tempo que desprezam ostensivamente as mulheres a quem atribuem características «femininas».O psicanalista Arno Gruen escreveu: «A adopção do mito masculino pela mulher é um acto de auto-traição. A fé na supremacia masculina nega o carinho materno como base da auto-estima. Por isso, não surpreende que a auto-estima de muitas mulheres, na nossa cultura, se baseie em qualidades “masculinas” (…)». Gruen não faz o elogio de uma «feminilidade» biologista; apenas alerta para o perigo de trocarmos a autonomia pelo culto do poder. Sobretudo quando o «poder» é automaticamente identificado com o «masculino». E com um «masculino» grotescamente darwiniano. O que Gruen lembra é que a «masculinidade» se tornou o «único fundamento da auto-estima», tanto masculina como feminina. E que esse fundamento é, para todos, uma fraude e uma traição.
[A Loucura da Normalidade (1987), edição portuguesa Assírio & Alvim]
Quem tem medo de Rob Halford?
A minha "carta" na LOUD!
ALL THAT IS LOUD!
Viva. Sou comprador da Loud! há cerca de dois anos apesar do desconhecimento em relação a parte significativa das bandas que surgem na revista. Mas sou paciente. A razão pela qual gostava que publicassem esta "carta" tem a ver com o meu desejo de voltar a passar som num bar de Lisboa ou arredores (a Margem Sul cabe no raio do meu entusiasmo) que aceite a proposta: rock, rock pesado, metal. Algo que em termos cronológicos iria da época áurea dos Led Zeppelin, Black Sabbath e Velvet Underground, passando pelo melhor rock sónico e grunge dos noventa (caso dos Sonic Youth, Pixies e Nirvana), pelo stoner rock sob as suas várias formas e feitios (Kyuss, Sleep, QOTSA, Fu Manchu), muito doom, sludge, fuzz, progressivo (Kylesa, High On Fire, Electric Wizard, Baroness, Mastodon), death com fartura (Amon Amarth, Bolt Thrower), de acordo com uma lógica decibélica feroz onde vale o que vale desde que seja grande música (Motörhead, Sepultura, Slayer, Lamb of God). Acho que chega. Só mais quatro...: Captain Beefheart (RIP), Howlin Rain, Endless Boogie e via verde (sempre) às investidas capitaneadas por Jack White e Mark Lanegan. Se houver interessados peço que me contactem para o e-mail: rcgross@hotmail.com. Obrigado. Parabéns à Loud! por ser uma revista séria e sóbria. Aos seus leitores, votos de um dois mil e onze com desafogo financeiro que permita ir comprando uns disquinhos e que o mesmo seja gasto sobretudo nas pequenas e boas lojas que ainda temos (exemplos em Lisboa: Louie Louie, Flur, Carbono, Xaranga).
Abraços,
Ricardo Gross
Publicada na edição #119 actualmente nas bancas.
1.17.2011
Memória suspensa
Uma mulher caminha no palco em direcção a nós. Traz um saco de plástico cujo conteúdo espalha no chão. Artigos de higiene, alguns especificamente femininos. Começa a tirar a roupa. Primeiro saltam as sandálias Birkenstock, depois a camisola (não traz soutien, o peito é discreto e firme), depois as calças e por último as cuecas. Está nua e olha-nos de frente. Tem um corpo jovem, pequeno e elegante. Noto o alinhamento dos pêlos púbicos, a perfeita simetria da sua inclinação para o centro, ou o modo como do centro se curvam para a periferia. O cabelo da mulher mostra um corte assimétrico à maneira do País Basco. Cláudia Dias tem 38 anos, é criadora e intérprete do espectáculo Visita Guiada.
Os objectos despejados do saco para o chão são pacientemente colados ao corpo com fita cola. Uma vez concluída a operação, Cláudia Dias mais parece uma blade runner da loja dos trezentos. A sua deslocação no palco é tão pausada quanto o seu discurso. Mas antes de se nos dirigir por palavras irá desenrolar toda uma embalagem de fio dental pelo palco. Imenso fio que anuncia as histórias que iremos ouvir. Depois, enquanto constrói as duas margens de Lisboa mais a ponte que as liga, recorrendo a cigarros, pensos higiénicos, batom, pasta dentífrica, etc, vai contando histórias da sua vida, da família e dos amigos. A voz não sofre a mínima oscilação emocional. Dir-se-ia uma voz neutra. E uma carne também neutra, que apesar de exposta nada investe de sensualidade. As memórias são verbalizadas de forma serena: seja o episódio da perda da virgindade numa pensão da Costa da Caparica; a recordação do namorado que tanto gostava de a ver chegar a Lisboa de barco; ou já perto do fim a aventura da amiga que apanhou boleia para Barcelona com um camionista por quem se deixaria violar temendo mais violentas represálias.
Há ironia no discurso de Cláudia, mas não chega a ser amarga. A própria construção harmoniosa de Visita Guiada parece indicar que as memórias são revisitadas com sentido de pacificação. O fio espalhado no chão será recuperado em forma de colar, e Cláudia Dias sairá de cena na quase penumbra e numa quase dança. Teriam passado os 55 minutos que a folha do espectáculo refere, mesmo que a impressão deixada tenha sido a de um tempo suspenso.
1.14.2011
1.13.2011
Torre do palácio
Canal caveira
O regresso dos muito sabbathianos Electric Wizard ("primus inter montanhas de pares") fez-se a dois tempos, e a América só ficará a conhecer o novo Black Masses na próxima semana. Os EW não sacrificaram um grão do poder lisérgico da sua música, uma vez mais produzida com as condições proporcionadas pelos equipamentos de estúdio de há 40 anos. Se a banda não apregoasse rituais satânicos poder-se-ia escrever "abençoado" reaccionarismo, mas amaldiçoado reaccionaismo funciona ainda melhor.
Encontrei "a" revista
A leitura do número de Dezembro da Decibel, a autoproclamada única publicação mensal americana dedicada ao metal, motivou uma maratona de audições que partiu da música de alguns dos entrevistados (Intronaut, Phil Anselmo, Chris Goss, Kylesa) até outras paragens de afinidade assumida. Assim, do clássico de vinte anos Cowboys from Hell dos Pantera, mandei-me para Spiral Shadow dos Kylesa, que se mantém firme na condição de "meu" disco de 2010, e para outro clássico como é Deep in the Hole (2001) dos Masters of Reality (projecto de Chris Goss que juntou nesse disco elementos dos QOTSA: Josh Homme, Nick Oliveri e Mark Lanegan), alinhado ao explosivo Flack 'N' Flight, a prova ao vivo que se lhe seguiu e com a mesma super-banda. Também na sequência o supremo Master of Reality (1971) dos Black Sabbath (que são os papas deste pessoal todo), mais duas versões do electrizante Mongoose dos Fu Manchu, gravadas em anos diferentes nos álbuns (Godzilla's) Eatin' Dust (reedição de 2004 de um registo originalmente de 1999) e California Crossing (2002), terminando num alinhamento de quatro temas dos Mão Morta, junto com os sons iniciais do último Intronaut (Valley of Smoke): três de Mão Morta Revisitada (Chabala, Oub' Lá, E Se Depois) e a faixa de abertura de Pesadelo em Peluche, o não menos viciante Novelos da Paixão. A noite correu depressa e foi noite até tombar.
E a rematar, um mimo (um pouco dessíncrono mas não importa):
1.11.2011
O que vale um abraço
O modo diferente como Mourinho saudou os seus jogadores do Real Madrid e do Inter de Milão reflete um sentido de justiça e de camaradagem que é vivido ao pormenor. Com uns o prémio é partilhado; os outros terão futuros prémios se trabalharem o mesmo que o treinador e os jogadores que Mourinho abraçou de forma especial.
1.10.2011
O presépio cazaque
Mesmo assumindo-se que os resultados de Tulpan são anedóticos do ponto de vista ficcional, a integração do espaço real no filme – com tudo o que isso acarreta de animais, crianças e outros disturbios naturais – produz efeitos de uma vitalidade rara no cinema narrativo. Sergei Dvortsevoy têm genuina paciência de pastor, e a sua câmara mostra total disponibilidade para as manifestações do mundo natural nosso estranho contemporâneo. Homens e bestas que coabitam num determinado "canto do paraíso", onde aquilo que o espectador cosmopolita toma por ameaça há muito que caracteriza a resilência do povo da estepe. No cinema de Dvortsevoy, o registo do real é o que mais ordena. A gente das planícies áridas do Cazaquistão come tornados ao pequeno-almoço.
1.08.2011
Tiah e o desejo
«I’ve fallen in love at first sight. I’ve fallen in lust, life, death, sometimes-all-at-once at first sight. Sometimes just over a pair of cheekbones or the right build. The right look and energy that fuck, just rapes the air.
Sometimes it’s grown over serendipitous encounters, shared experiences or long-time digging through the depths of someone before hitting hard surface that says “This person is the most desirable one in The World”. And that’s all you’ll hear yourself say until it stops. But without fail, there was always a point when I knew, or shall I say a way. A behaviour, a look, I’m sure. And there they all were – from my reciprocal ones – at some point, returned. For I am not often the kind to fall for those who don’t fall for me. While a friend realised the ruling principle to her relationships is Groucho Marx’ quote that he “wouldn’t want to be a member of any club that would have” him, in stark contrast, at my narcissistic core, one of the most attractive things in a lover is how attractive they find me. After all, one can’t be blamed for admiring good taste, right?»
(texto completo aqui.)
Sometimes it’s grown over serendipitous encounters, shared experiences or long-time digging through the depths of someone before hitting hard surface that says “This person is the most desirable one in The World”. And that’s all you’ll hear yourself say until it stops. But without fail, there was always a point when I knew, or shall I say a way. A behaviour, a look, I’m sure. And there they all were – from my reciprocal ones – at some point, returned. For I am not often the kind to fall for those who don’t fall for me. While a friend realised the ruling principle to her relationships is Groucho Marx’ quote that he “wouldn’t want to be a member of any club that would have” him, in stark contrast, at my narcissistic core, one of the most attractive things in a lover is how attractive they find me. After all, one can’t be blamed for admiring good taste, right?»
(texto completo aqui.)
1.07.2011
Doom-Mantia
Um faixa do álbum Come My Fanatics... dos Electric Wizard, colocada sobre imagens de Begotten de E. Elias Merhige. A música é muito boa, o filme não conheço, mas reconheço que a junção funciona e adensa o negrume.
1.06.2011
Contabilidade e prestidigitação
© Guido Harari
Paolo Conte faz hoje 74 anos. O músico italiano virá em Maio ao CCB apresentar o seu disco de 2010, intitulado Nelson. Da primeira vez que há anos atrás anunciaram o regresso de Leonard Cohen a Portugal, foram muitos os que acorreram a Algés pensando tratar-se da derradeira hipótese que teriam de ver ao vivo o bardo canadiano. Cohen regressou por mais duas ocasiões ao Pavilhão Atlântico e queira Deus que as suas contas tenham ficado equilibradas: por ele, não por nós, que o senhor tinha sido arrancado ao sossego meditativo com a notícia de que o contabilista lhe havia desferido um desfalque total. Tenho a certeza que o advogado Paolo Conte é o melhor avalista do artista com o mesmo nome, e estou quase 100% seguro que os que não o virem desta vez não terão segunda oportunidade. Isto é o tipo de desabafo que só se tem quando em posse do precioso bilhete. Naturalmente.
Choque frontal
When we were making a record in 1992, under the band Kyuss, our producer Chris Goss, he would joke and say "You guys are like the Queens of the Stone Age." The band was originally called Gamma Ray, but we got threatened with a lawsuit because someone else had it. So we were Queens of the Stone Age. If we were Kings of the Stone Age, we'd have to wear armor, so Queens was a little more flexible, man! (Nick)
Kings would be too macho. The Kings of the Stone Age wear armor and have axes and wrestle. The Queens of the Stone Age hang out with the Kings of the Stone Age's girlfriends when they wrestle, and also it was a name given to us by Chris Goss. He gave us the name Queens of the Stone Age. Rock should be heavy enough for the boys and sweet enough for the girls. That way everyone's happy and it's more of a party. Kings of the Stone Age is too lopsided. (Josh)
Corvocificado
«Profeta», eu disse, «Ó mal que temo! Profeta és, ave ou demo!
Por Tentação enviado, varrido por vendavais,
Desvalido mas ousado, neste ermo enfeitiçado,
Neste lar mal assombrado, diz-me, minha alma implora,
Se em Galaad há consolo, di-lo à alma que te implora!»
Disse o Corvo: «Nunca mais».
O Corvo, de Edgar Allan Poe, na tradução de Margarida Vale de Gato.
Poema completo aqui. Banda-sonora recomendada aqui.
1.05.2011
1.04.2011
Deus está inocente (é apenas uma ficção)
Studio 60 on the Sunset Strip é uma série dramática criada pela dupla papa-Emmys, Aaron Sorkin e Thomas Schlamme, que proporciona para cima de 800 minutos de entertenimento rápido e inteligente (um consumo tão vertiginoso quanto o divertimento obriga a que a série seja vista no prazo máximo de uma semana). Muito acelerado mesmo, mas que de acordo com a minha teoria tinha a continuidade comprometida por volta do episódio 14 da primeira temporada. Não houve segunda época para o Studio 60. Em que se baseia a suspeita? No conteúdo da série após o episódio-duplo em que um dos protagonistas, Harriet Hayes (interpretada pela dulcíssima Sarah Paulson), se encontra prestes a receber um prémio da organização Católicos na Comunicação Social. Harriet tem longa história de amor/desamor com um dos produtores executivos do Studio 60 (Matt Albie), e a frustração de ambos perante a incapacidade de ficarem juntos transborda numa conversa minutos antes de Matt ser suposto apresentar a homenageada da noite. Harriet e Matt desmascaram-se nas fraquezas motivadas por um narcisismo que é comum a muitas personagens do Studio 60, e com o qual o espectador não absolutamente hipócrita tenderá a identificar-se. Gente que faz da sua profissão a busca de reconhecimento alargado, a cada semana e a todo o instante. Me, me, me.
A partir daqui e até que se esgotem os 22 episódios que constituem a existência televisiva de Studio 60, os criadores da série optaram por enchê-la com algo que nunca havia passado dos sketches do programa para a acção "principal". Matters of life and death. A grande história. Além dos eventuais momentos estrambólicos que resultam numa espécie de meta-Studio 60. E aí vem a Guerra do Afeganistão (em comunicação com o 11 de Setembro de anos antes) que remete para o irmão de outro dos protagonistas, Tom Jeter (o comediante com má consciência de não ser suficientemente patriota), vítima de sequestro junto com o grupo de militares da sua companhia, ou a entrada forçada de Jordan McDeere (directora de conteúdos do canal, que tem o rosto e o resto de Amanda Peet) no hospital, para um parto provocado que motivará algumas lágrimas. Pode parecer que estou investido do acto de contrição da dupla Sorkin & Schlamme, românticos empedernidos e liberais assumidos, que terão cedido ao caudal das causas e valores quando o futuro de Studio 60 estava perdido. Envoltos no ritmo faíscante dos bastidores de um programa cómico filmado na presença do público, é o romance que verdadeiramente (me) interessa. Porque os seus efeitos permanecem. Porque é antiquado, utópico, confuso, e fruto de inspiração divina que baixou sobre o guionista. Um deus que havia trocado frequentes vezes a agenda de sentimentos liberais pelas emoções atávicas.
1.03.2011
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