5.10.2008

O mês deles


Agosto é o mês dela: Sónia Bandeira, ou antes, Tânia, em Aquele Querido Mês de Agosto, filme de excepção também no sentido em que é figura solitária da presença portuguesa deste ano no Festival de Cannes: decorre de 15 a 26 de Maio. Foi mostrado à imprensa hoje pela manhã. É um objecto constituído de fulgurâncias várias, como se se tratassem de peças de um dominó de trajecto incerto que desenha figuras abstractas, como na música. O filme de Miguel Gomes está cheio dela(s): de Sónia, que rouba para si o enquadramento de cada vez que surge, e de magníficas canções de baile, retiradas do melhor que os repertórios de Luís MARANTE e Tony Carreira têm para dar. É custoso lembrar outro filme que mostre tamanha consciência da matéria de que o cinema é feito, que nos iluda revelando o truque não somente aos avisados, que acredite no supremo artifício como meio de o cinema do presente atingir a pureza expressiva de tempos bem passados. Tudo pode ser tudo, todos podem ser todos em Aquele Querido Mês de Agosto, território de sonho, sonhado pelo menino que resiste no cinema de Miguel Gomes. Aquele Querido Mês de Agosto revela-se sacana, irrequieto e delirante como o imaginário de uma criança. O sentido de pudor mantém a história amorosa do pai, da sua filha (Sónia Bandeira), e do primo desta, em território relativamente inofensivo. E o filme constrói a sua cosmologia beirã onde os vários elementos se equivalem: javalis vindos de serem abatidos, maridos cornos nas canções do agrupamento Diapasão, simples de espírito como o Paulo "Moleiro", que todos os anos tem o seu momento de glória quando executa o mortal dirigido às águas do Alva, carros de bombeiros ou então motoqueiros que bailam pelas curvas sinuosas das estradas secundárias. Aquele Querido Mês de Agosto é festa popular transformada em celebração individual. Se aceitarem o convite não esperem um programa à vossa maneira. Há os filmes de que queremos gostar à nossa imagem, e aqueles que levam (ou não) a que deles gostemos como se fossemos outro dos seus caprichos. Na essência, este é um filme absolutamente feminino. Não diz nunca o que quer de nós. É pegar ou largar.

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