6.07.2010

Trabalho bem feito

















Aquilo que enforma o prazer de assistir a um filme como O Segredo dos Seus Olhos é tão antigo como o cinema. Houve tempos (digo sem paternalismo que fui desse tempo) em que a frequência com que surgiam objectos destinados a um público adulto, que reflectiam tarimba, era regular. O cinema actual, extremado entre produtos autorais ou formatos que se assemelham a videojogos, demitiu-se de algum modo de fazer articular os géneros clássicos.
O Segredo dos Seus Olhos apresenta em paralelo um policial e um melodrama. Há um crime que leva 25 anos até que se apurem todas as implicações e há também um homem, implicado na investigação dessa morte, que cala 25 anos o amor que sente por uma mulher. O filme é sobre este homem, Benjamín Esposito (e que extraordinário actor é Ricardo Darín). Benjamín persegue a verdade com a mesma determinação que usa para ocultar a sua paixão. No final percebemos que uma depende da outra na medida em que uma se extinguindo nada pode travar a outra. Não é importante o destino que terá o livro que Benjamín Esposito escreve acerca do assassinato da jovem mulher às mãos de um informador da polícia política argentina e sobre 25 obscuros anos. Quando o filme encerra com a porta que se fecha aos nossos olhos, Benjamín recomeçará então a viver.
Os principais actores de O Segredo dos Seus Olhos são muito bons. Aquelas personagens mostram-se verdadeiramente habitadas de humanidade ficcional (como, ocorreu-me frequentemente pensar, os livros de Cardoso Pires). A realização de Juan José Campanella é sóbria o bastante e apenas num momento cede à grandiloquência quando sobrevoa o campo de futebol do Racing Avellaneda. Não fosse a impressão do filme se arrastar um pouco no terceiro acto, demorando-se até à escusada última explicação – a explicação da explicação – que trai um pouco a verosimilhança geral da narrativa, estaríamos na presença de um objecto mais estimável ainda. Um filme de género(s) hábil e sensível, só que mais coeso.

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