6.08.2010

A bela horrível Itália















Vincere começa com a prova da não existência de Deus em 5 minutos. O jovem Mussolini (espantoso Filippo Timi, que tem vibração animal como Javier Bardem) dirige-se a um grupo de populares onde se encontra Ida Dalser (Giovanna Mezzogiorno), que acaba fulminada de paixão pelo bravo socialista. Benito desafia Deus a matá-lo nesse instante como prova da existência divina. Porque Deus não age, põe-se em marcha o mito. E o filme de Marco Bellochio arranca para a encenação fulgurante do amor de Ida por Benito, ao mesmo tempo que se dão os mais importantes acontecimentos do início do século XX: o modo como o Futurismo anuncia a Primeira Grande Guerra e como o desfecho desta abre caminho à ascenção do futuro ditador italiano. São sequências marcadas por grande energia visual e enorme intensidade de sentimentos. Bellocchio ganhou fama com uma cena de sexo que nunca vi (está no filme O Diabo no Corpo, de 1986). O primeiro embate carnal entre Ida e Benito bastaria para dar prova da mestria de Bellocchio no assunto. Não se trata de um momento de explicitude do acto, mas dos sentimentos. Está tudo o olhar, na vibração física, na respiração e nas palavras que escapam ao controlo dos amantes. Uma cena estarrecedora. Mas tal como depois do amplexo vem a prostração, assim também Vincere perde na segunda metade parte do vigor e do interesse. É sabido que Benito Mussolini abnadonará Ida e o filho de ambos, também Benito, e que manobrará para que os dois não mais interfiram com a sua vida. O filme de Marco Bellocchio faz toda uma inversão de género, quando da alegoria política no masculino vira melodrama e tragédia no feminino: Ida Dalser, ostracizada de hospício em hospício, afastada do filho e impotente na defesa do estatuto de primeira e legítima mulher do Duce. Talvez uma desaceleração demasiado brusca face aos vertiginosos primeiros 30 ou 40 minutos; sem dúvida o recurso a um registo mais convencional que força a nota psicológica, muito bem defendida aliás pela Mezzogiorno. E encerro com uma contradição ontológica ao filme, senão à própria história. Como pode o homem continuar a pôr em causa o divino quando olha o corpo estendido e nu desta actriz (mais tarde já não a verá chorar como uma mártir de Dreyer), que enquanto sua mulher tomou para si por inteiro? Não tenho resposta e de novo me benzo.

Arquivo do blogue