Nunca antes, em tão curto espaço de tempo, assisti a três concertos quase em datas seguidas. Na passada sexta-feira, e perante um cenário de sala(s) esgotada(s), acabei no Olga Cadaval para testemunhar ao vivo o regresso de Mayra Andrade, ainda a promover o álbum Navega, música caboverdiana de fusão que justifica os elogios que lhe têm sido feitos. O espectáculo foi curto (abaixo da hora e meia de duração) e pouco deu além das músicas já conhecidas. Mayra está com uma voz espantosa, o vestido que trazia ajudava a marcar a elegância discreta da sua presença em palco e só uma ou outra excitação por parte dos acompanhantes (um percussionista demasiado deslumbrado com os brinquedos que tinha em volta) comprometeu ligeiramente a qualidade geral da música apresentada: aquele fado de Alfama também era, diga-se de passagem, escusado. Mayra Andrade tem todas as condições para ser figura histórica das músicas do mundo. Em Cabo Verde, França, Holanda, Portugal e outros países lusófonos esta miúda de vinte e dois anos é hoje uma referência.
Richard Hawley, no dia seguinte, figurava como cabeça de cartaz do Festival para Gente Sentada, de Santa Maria da Feira. Abençoadamente, foi o último a entrar em cena na derradeira noite. Trouxe uma banda de um profissionalismo inatacável que traduziu "à letra" as canções que conhecíamos de Lowedges, Coles Corner e Lady's Bridge. Música e musicalidade excelentes. E um encore fora-de-série. Começou apenas voz e viola para uma revisitação de Ricky Nelson (garantiu-me um amigo) e duas canções mais tarde a apoteose: The Ocean, das canções mais belas e evocadoras do trovador de Sheffield. Diz-se que no final alguém (somente esse alguém...) terá visitado Hawley e banda nos camarins, para assinar uns discos e trocar meia dúzia de trôpegas palavras. Tudo muito curto, demasiado breve, no entanto memorável.
Michael Gira (pronuncia-se "girá") entrou, misto de vaqueiro moderno e de pregador, pouco antes da meia-noite de segunda para terça-feira, para enfrentar plateia esgotada e rendida à partida, que assegurou das noites mais participadas do cinema Nimas. Gira é uma força da sua própria natureza. Interpretou apenas canções de amor ou de ódio com intensidade vocal que mais se notava face à escassez do acompanhamento: apenas a guitarra que o músico violentava com diferentes graus de ressentimento. Nunca fui incondicional dos Swans (que me merecem todo o respeito) e também suportei com agrado a primeira metade do concerto e só. Reconheço que Michael Gira tem carisma cada vez mais raro na gente da música: a sua envergadura participa do espírito de figuras como Ian Curtis, Leonard Cohen e Nick Cave, embora seja no sentido austero da palavra, mais extremado do que qualquer um desses. O público vibrava e eu, mero iniciante neste tipo de celebrações, mantive-me silencioso e descrente. Até porque existe música cuja verdade não se questiona mas que nos pode não interessar.