11.19.2007

Breve carta aberta a Aki Kaurismäki

















Meu caro Aki

Isto é o que te deveria ter respondido quando no final da sessão me interpelaste chamando-me de “sportinguista”, caso tivesse mantido suficiente presença de espírito para me alongar no raciocínio. Uma vez mais te digo que o facto de seres adepto do Futebol Clube do Porto é para mim menos relevante do que os teus filmes. Mas não deixo de achar que escolheste o clube errado. Uma vez que o teu cinema te coloca invariavelmente do lado dos "perdedores na vida", fica sabendo que esse é o perfil que corresponde aos adeptos como eu que vivem em permanente sofrimento: nas derrotas e nas vitórias (a custo). O Sporting é o clube da sempre adiada promessa de glória que convive mais dignamente com os obstáculos à concretização desse desígnio. Aliás como os personagens dos teus óptimos filmes, marcados por uma espécie de fatalidade. Gostei também muito deste Luzes no Crepúsculo e de reconhecer de novo a marca de dois teus cineastas do coração: Murnau e Bresson. Acho que tem das histórias que levaste mais ao osso da narrativa, embora ainda com cálcio suficiente para nela notarmos as presenças do Aurora e do Pickpocket que não terei sido o único a identificar: concordas? E já te perguntei pelo adorável cão do filme – o tal que à semelhança do asno Baltasar parece representar a condição humana e cujo olhar é tão pasmado e impenetrável quanto o do protagonista, Koistinen – que me disseste ser teu, como aliás muitas das coisas que filmas (por tuta e meia). Não mudes nunca o teu cinema de uma expressividade pura e comovente. O teu gosto pelas coisas antigas e gastas, como as vozes gravadas de Carlos Gardel e Jussi Björling. Manter-me-ei fiel cá deste lado, e com uma proposta de sócio guardada algures à tua espera.

Cordiais saudações do muito sportinguista,

Ricardo Gross


Luzes no Crepúsculo estreia na próxima quinta-feira.

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