10.30.2010
10.29.2010
10.27.2010
Era uma vez...
... um tempo de multinacionais arrojadas e de bandas maradas que refreavam por vezes o seu experimentalismo a tombar para o caótico. Houdini é dois anos mais novo que Nevermind e leio que os Melvins não voltaram a facilitar as coisas como aqui. Leio, acredito e serei prudente na exploração da discografia do grupo. Por outro lado, os ecos que Houdini devolve ('early' Sonic Youth, Nirvana 'basslines', doom 'guitars', quadros mentais à Gun Club e à Pere Ubu, turbinas stoner rock e marcadores grunge) dão-me confiança.
10.26.2010
Frankenslayer
Quis a ordem natural e inversa das coisas que os Slayer viessem a receber influências do nu metal, género que na segunda metade da década de 90 do século XX se havia inspirado no som da banda de Araya, King, Hanneman e Lombardo. Ladrão que amputa Frankenstein não tem contas a prestar. A edição de luxo do álbum dos Slayer de 2009, World Painted Blood, traz um segundo disco onde encontramos a curta-metragem de animação Playing With Dools (título de uma das músicas), realizada por Mark Brooks, que conta a história de um assassino em série que constrói um corpo de mulher com os pedaços das suas vítimas (mais ou menos o que se passava no matricial O Silêncio dos Inocentes). A curta usa a cada quadro excertos de todas as músicas de World Painted Blood, que coincidem com manifestações de violência extrema, mas não é particularmente memorável. Mais importante que o objecto é o (seu) conceito de apropriação e reconfiguração que liga com o episódio de influências de duplo sentido entre os soberanos Slayer e as bandas norte-americanas de metal que pilharam várias correntes para se agradarem a elas próprias e aos seus seguidores. A identidade musical dos Slayer é forte o suficiente para imperar sobre os remendos modernos que experimenta no lombo, e World Painted Blood é mesmo considerado dos discos mais vitais do grupo nos últimos anos. Um quase puro-sangue.
Longe
Tem algum filme preferido, ou algum de que se arrependa?
Ah, não, não renego nenhum dos filmes que fiz. Todos eles foram experiências necessárias, e como nunca os revi não tenho um ponto de vista crítico sobre eles. Mas é verdade que tenho uma ternura particular por "Longe", talvez porque o rodámos um pouco como se estivéssemos a fazer gazeta. Rodei-o em Tânger, em video digital com uma equipa muito reduzida, de um modo muito livre, pelas ruas. É um filme de uma grande liberdade.
[André Téchiné: o autor que queria fazer encomendas, Ípsilon, 08.10.10]
Longe (2001) era obra que não conhecia, até ontem. Já percebi que gosto de todos os filmes de André Téchiné, e dos mais recentes e menos consensuais também. Porquê? Porque o grande tema do francês são as suas personagens. É grande a atenção que lhes dedica e que se revela em detalhes frequentes. Qualquer espectador que se interesse pela natureza das pessoas sente-se atraído pelo cinema do realizador. Ele torna-nos íntimos das personagens, não obstante o seu diferente protagonismo. E depois há claros laços que se estabelecem no interior da obra do francês, que apresenta motivos e actores recorrentes. Se a geografia de Longe (a labiríntica Tânger) remete directamente para Os Tempos que Mudam (2004), as suas figuras, as personagens que são sempre o mais relevante, sugerem a variação muito livre de Juncos Silvestres (1994), para a qual as presenças de Gaël Morel e Stéphane Rideau são significativas. Se resulta menos pujante talvez seja porque dá a impressão de se ir fazendo do nada dia após dia (independentemente do que se inscreve na sua estrutura, o assinalar de cada novo dia na acção do filme), e os efeitos do improviso no momento serem distintos do impacte do resultado acumulado. A liberdade tem sempre um preço, o que no caso de Longe, e como se prova pela citação da entrevista, é assumido de consciência.
10.25.2010
10.18.2010
Sans regrets
Empatizar com um filme significa irmo-nos ligando a ele de vez em quando. Acreditar num filme implica tomá-lo pelo seu todo. O todo nada tem que ver com a soma das partes quando é de cinema que se trata. Mas explicar porque um filme finalmente não funciona pode assumir contornos de exercício de contabilidade. Já se percebeu.
10.15.2010
Antes do até sempre (a liberdade)
Há um amigo que se prepara para cruzar de novo o Atlântico de quem me quero despedir aqui no blogue também para o caso de não nos vermos esta noite como combinado. Esse amigo gosta muito dos filmes de Shohei Imamura (1926-2006), de quem vi esta semana o rebelde e vivificante Dr. Fígado (1998). O que há de maravilhoso no penúltimo filme de Imamura, à semelhança aliás de outras obras de grandes cineastas em idade avançada gozando de toda a liberdade de não se sentirem na obrigação de provar nada a ninguém, é a capacidade de se fixar naquilo de verdadeiramente importante que a vida proporciona e que levamos connosco quando lhe dizemos adeus. Falo do vício, ou de todos os vícios. Passar pela vida sem cultivar algumas obsessões é perda de tempo. Por muito que nos digam que é na abstinência que o homem se descobre verdadeiramente livre, eu acho cada vez mais que é pela via dos prazeres que a nossa individualidade melhor se expressa: e exprimimo-nos significa (até melhor definição) sermos livres. Bebida, comida, mulher(es), morfina (Nicotin, valium, vicodim, marijuana, ecstasy and alcohol... C-c-c-c-c-cocaine!), ciência, futebol, artes, o que quisermos, importa é querermos muito, e com a paixão dos fortes. Que a paixão de Imamura esteja sempre contigo, caro amigo. E até Williamsburg.
10.14.2010
10.13.2010
Dr. Mikael and Mr. Akerfeldt
A principal originalidade dos Opeth reside na dupla personalidade vocal do seu líder Mikael Akerfeldt (também guitarrista e dos que levam as unhas às cordas como manda a escola clássica). Akerfeldt tem cara de anjo, daí que seja maior a surpresa quando o ouvimos terraplanar as suas próprias composições com o canto gutural poderosíssimo. Os Opeth arriscaram levar este paradoxo ao limite quando entraram em estúdio para gravar dois álbuns de seguida: um mais pesado, Deliverance, apesar de incorporar os habituais apontamentos folk, jazz e prog rock; outro mais pausado, Damnation, que raras vezes intensifica a carga dos seus decibéis. A experiência torna-se verdadeiramente desconcertante quando assistimos a um concerto da banda sueca, por exemplo aquele que consta do DVD Lamentations onde os Opeth decidiram manter clara a separação da sua dupla natureza, tocando uma primeira hora a médias-luzes e regressando depois para mandar a casa abaixo. Quando Mikael Akerfeldt passa com naturalidade de um registo vocal melodioso (e se tem bonita voz, um pouco à semelhança de Roland Orzabal dos Tears for Fears) para o extremo oposto (o da besta sem nome), podemos descrer do segundo, negar o "encosto", não mais querer vê-los ao vivo e ficar apenas com aquilo que os discos sugerem. O anjo Mikael, assombrado, é por vezes um demónio demasiado real. E nos discos a presença do demónio é indispensável.
10.12.2010
Infidelidades ao terceiro disco
Um Téchiné
É possível que os últimos grandes filmes de André Téchiné tenham sido aqueles que, na década de 90, tinham por dupla de protagonistas Catherine Deneuve e Daniel Auteuil: refiro-me a Ma Saison Préférée (1993) e a Les Voleurs (1996). Em todo o caso, um Téchiné onde reconheçamos o cinema do autor, André Téchiné, é já um objecto significativamente relevante, nos maiores e menores gestos. Dou um exemplo de cada partindo do seu mais recente filme, La Fille do RER * (2009). Trata-se de uma jovem que habita os subúrbios de Paris, onde vive com a sua mãe (o constante regresso de Deneuve ao cinema de Téchiné). Retrato de mulher quase adulta, que adia assumir o seu papel no mundo com receio de que seja pouco. Como a própria diz, de que "não seja amada". Surge um rapaz que se interessa por ela e quando os dois começam a comunicar pela Internet, e com o recurso a uma webcam, há um momento particularmente luminoso, talvez o primeiro deste filme, que passo a descrever. Uma cena banalíssima que se transforma quando Téchiné abandona o recurso (algo pop) de nos dar a ver o que os jovens escrevem, impresso no ecrã de cinema em letras coloridas de diferentes tamanhos, para a comunicação passar a fazer-se exclusiva e demoradamente através dos rostos de ambos, o que origina belos instantes de suspensão erótica que dependem desse detalhe apenas (o facto de o espectador fazer prolongar aquilo que deixou de ler na tela e que passou a mover-se de acordo com a sua imaginação).
O grande gesto que também ele resulta bastante significativo neste filme de Téchiné, encontramo-lo próximo do final. A jovem protagonista (e é mesmo Émilie Dequenne, a Rosetta dos irmãos Dardenne) em perda, virá a tirar perverso partido da tensão gerada na sociedade francesa com o aumento dos índices de violência dirigida às minorias religiosas, para se dizer ela própria vítima de um ataque anti-semita, que fabricara na sua cabeça e que marcara no seu corpo. Após confessar-se culpada da mentira, Jeanne irá permanecer a noite numa cela de polícia de paredes tão "anónimas" quanto ela se sente, e completamente sozinha. André Téchiné monta esta cena, em paralelo, com a eloquente cerimónia do Bar Mitzvá que assinala a entrada na idade adulta de um outro jovem do seu filme. Agora sem sequer recorrer a uma única palavra, Téchiné parece avançar com a chave de leitura de La Fille du RER (sigla que designa o comboio que cruza Paris na direcção dos subúrbios).
É pelos rituais familiares, religiosos e culturais que o Homem adquire um sentido de pertença, e à falta de melhores processos de construção da identidade mais ou menos individualizada, talvez seja inteligente reconhecer-lhes valor. Aquilo que somos começa sempre de onde é que vimos, e quando fugimos a esta evidência, de tanto lhe fugirmos, é a ela que de novo vamos dar. La Fille du RER só podia ter a assinatura de André Téchiné.
* repete amanhã às 22h00 na Cinemateca.
10.11.2010
10.08.2010
10.07.2010
10.06.2010
Dos bons selvagens
Uma daquelas frases que matam com a lucidez, atribuída ao jornalista e dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues, diz isto: "dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro". Genericamente, e se as vazarmos do cinismo, são palavras que vestem que nem luva o último filme de Brillante Mendoza. De que outra coisa Lola trata que não do engenho humano, centrado aqui em duas avós que tal como milheres de outras pessoas sobrevivem como podem, junto das famílias, nas ruas de Manila, cenário de total miséria acossada permanentemente por valentes chuvas que deixam parte da cidade quase submersa. As idosas são respectivamente a avó do assassino e a da sua vítima, e irão estabelecer um acordo monetário só delas que permite salvar da condenação o neto da primeira. O pragmatismo não chega a ser chocante, já que Mendoza prepara o terreno com vagar. Lola tem o ritmo das octagenárias senhoras. Chega a aborrecer de tão coerente que é. Aprendemos com elas que naquela sociedade, tratando-se de gente tão pobre, não faz sentido pedir outra noção de justiça. O dinheiro é prioritário sobretudo para que tem falta dele. A dívida gerada com a morte do neto de uma das "lolas" (que na língua local, repleta de estrangeirismos, significa"avó" ou "avózinha"), dívida que se prende com o amor roubado com o roubo da vida, será esquecida mediante a entrega do bem precioso: um arranjinho de gente sábia.
Debruçando-me agora sobre elementos específicos da linguagem cinematográfica, devo dizer que Brillante Mendoza tira o maior partido do realismo extremo dos locais onde filma, com a mobilidade que lhe reconhecemos de títulos anteriores e a mesma propensão para a coreografia, o que não impede que fiquem por resolver variadas elipses que parecem sempre atabalhoadas, assim como o sublinhado pela música dos instantes significativos de Lola ganharia em ser menos denunciado. Resumindo, para concluir: um bom filme com o qual nunca me cheguei verdadeiramente a envolver.
Envolvi-me, isso sim, com A History of Mutual Respect, de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, a curta-metragem que abre para Lola. Abrantes é um discípulo algo camaleónico do cinema experimental da década de 70 e seus sucedâneos, que parece citar Werner Herzog num instante, depois muda-se para o carácter abstracto de algum Gus Van Sant, para logo em seguida meter-se por trilhos percorridos pelo tailandês Apichatpong Weerasethakul. Os aspectos mais fortes de A History of Mutual Respect decorrem da sua pansexualidade dirigida aos elementos quer naturais quer humanos. O magnetismo animal do próprio Gabriel Abrantes (actor, argumentista, realizador), resulta da convergência da androginia com ingenuidade poseur e predação lúbrica. Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt experimentam e seduzem. Primeiro hipnotizam com a torrencialidade "extática" das Cataratas do Iguaçu, antes de se aventurarem por demais liberdades poéticas. A History of Mutual Respect é um objecto que se abre, aliás, para originais e surpreendentes figurações do desejo.
Debruçando-me agora sobre elementos específicos da linguagem cinematográfica, devo dizer que Brillante Mendoza tira o maior partido do realismo extremo dos locais onde filma, com a mobilidade que lhe reconhecemos de títulos anteriores e a mesma propensão para a coreografia, o que não impede que fiquem por resolver variadas elipses que parecem sempre atabalhoadas, assim como o sublinhado pela música dos instantes significativos de Lola ganharia em ser menos denunciado. Resumindo, para concluir: um bom filme com o qual nunca me cheguei verdadeiramente a envolver.
Envolvi-me, isso sim, com A History of Mutual Respect, de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, a curta-metragem que abre para Lola. Abrantes é um discípulo algo camaleónico do cinema experimental da década de 70 e seus sucedâneos, que parece citar Werner Herzog num instante, depois muda-se para o carácter abstracto de algum Gus Van Sant, para logo em seguida meter-se por trilhos percorridos pelo tailandês Apichatpong Weerasethakul. Os aspectos mais fortes de A History of Mutual Respect decorrem da sua pansexualidade dirigida aos elementos quer naturais quer humanos. O magnetismo animal do próprio Gabriel Abrantes (actor, argumentista, realizador), resulta da convergência da androginia com ingenuidade poseur e predação lúbrica. Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt experimentam e seduzem. Primeiro hipnotizam com a torrencialidade "extática" das Cataratas do Iguaçu, antes de se aventurarem por demais liberdades poéticas. A History of Mutual Respect é um objecto que se abre, aliás, para originais e surpreendentes figurações do desejo.
10.04.2010
Pontes e discos
O João e o Jorge, patrões respectivamente da Carbono e da Louie Louie em Lisboa, lá estavam sozinhos à abertura das lojas. Passei em ambas e comprovei o exemplo: um funcionário e montes de discos. Depois segui para o trabalho.
10.01.2010
A mesma coisa
Sintra Misty
O Sintra Misty é um festival de música que tem lugar dentro de duas semanas (dias 14, 15 e 16) no espaço do Olga Cadaval, com concertos de tarde e à noite. Colaborei com o Sintra Misty ao nível da programação do Palco Principal. Já o Palco Optimus Discos foi programado pelo Henrique Amaro e tem várias outras coisas que vou querer também espreitar. Passarei muitas horas em Sintra nesse fim-de-semana, e espero que vocês passem algumas também. Bom festival.
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