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Uma das melhores sequências do filme A Rainha, de Stephen Frears, tem lugar quando o jipe conduzido por Isabel II fica com a transmissão partida ao atravessar um riacho. Enquanto espera por auxílio, a monarca vê surgir da paisagem impressionante que circunda a sua residência de Balmoral, um ainda mais impressionante veado "imperial". Quando mais tarde a rainha tem conhecimento de que o animal fora abatido por caçadores de uma propriedade vizinha, pede para vê-lo - já decapitado e pendurado para que o sangue possa escorrer por completo. Nesse instante a expressão da rainha mostra uma comoção que não lhe víramos antes quando recebeu a notícia da morte de Diana Spencer. Considerando, como considero, que a atitude predominante do filme de Frears é de imparcialidade face a tão principais figuras retratadas, sou também levado a pensar que a intenção do realizador com o episódio do veado "imperial" terá sido a de mostrar que Isabel II mantinha uma ligação afectiva com um mundo bem mais antigo e tradicional (onde a dor se vivia com dignidade e em recato) que o seu povo, já sob o efeito sedativo do espectáculo televisivo da emoção pronta a servir, não poderia alguma vez entender. A Rainha é assim um filme sobre o divórcio entre estas duas realidades. Acrescento que os tempos que vivemos me parecem desse ponto de vista, pelo menos, bem mais pobres. Tempos imperiais deveriam ser os outros.